Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes[1]
Resumo:
O artigo tomará como fonte de debate a representação da imagem do negro no espaço escolar. Busca-se com esta pesquisa,
apontar para as práticas e condutas que conduzem a escola ser permeadora de
estereótipos, avaliando a conduta dos educadores e do posicionamento teórico
dos materiais pedagógicos em relação a representatividade da imagem negro.
Palavras-chave:
negro; imagem; escola; estereótipos; eurocêntrica.
Abstract: The item will take as a source of debate the
representation of black image at school. Search with this research point to the
practices and behaviors that lead to school be permeated stereotypes, assessing
the conduct of the educators and the theoretical position of the teaching
materials regarding the representativeness of the black image.
Keywords: black ; image; school; stereotypes; eurocentric.
Nossos Olhar
Ao
conceber a escola como espaço privilegiado para a construção de conceitos e
valores, em que se privilegiem o exercício da cidadania e da democracia,
torna-se primordial que suas diretrizes e práticas caminhem rumo ao respeito as
diversidades culturais e étnicas das diferentes nacionalidades.
Portanto,
ao perceber que a escola ainda perpetua uma educação eurocêntrica,
inevitavelmente, nós produtos desta educação, estaremos invisibilizando e silenciando
a história de outros povos e culturas.
Ao
discutir sobre as ferramentas pedagógicas utilizadas nas instituições de
ensino, Munanga (2001) aponta para a deficiência na formação dos educadores e
dos prejuízos oriundos de uma formação calcada em valores eurocêntricos, o que
culmina com a falta de conhecimento da
história de vida de outros povos,
Os mesmos preconceitos permeiam também o cotidiano das relações sociais de alunos entre si e de alunos com professores no espaço escolar. No entanto, alguns professores, por falta de preparo ou por preconceitos neles introjetados, não sabem lançar mão das situações flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala como momento pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e conscientizar seus alunos sobre a importância e a riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade nacional. (MUNANGA, 2001,p.15)
Quando
falamos em racismo e do seu processo histórico, alguns teóricos indicam que
esta ideologia de discriminação e inferiorização do outro, surgiu aproximadamente
a seis século atrás, no século XV, sendo obra da ciência europeia, Pereira (1978), para impor-se
principalmente aos habitantes da América, África e Ásia. O mesmo autor
aponta que as consequências geradas pelo racismo na história, como as mortes,
tragédias, massacres e sofrimento seria uma forma justificável e imprescindível
ao contato do homem branco europeu com outras culturas e civilizações.
Diante
do cenário e da ideologia da comunidade europeia, de considerar-se e disseminar
o discurso de raça superior perante as classes “não brancas”, historicamente
houve um processo de conquista e civilização por parte das nações imperialistas
europeias, frente aos territórios ou colônias africanas, americanas e
asiáticas. O método utilizado para realizar a dominação, consistia na imposição
severa da cultura do colonizador aos povos dominados, com o intuito de promover
o predomínio político, além claro de retirar suas riquezas, como ouro, prata,
entre outros.
Retomando
o contexto da discriminação racial para o âmbito escolar, teremos reflexos
preconceituosos expostos nos livros didáticos, devido a massificação no
imaginário de existir raças superiores e principalmente, de uma história
parcial e delimitada narrada pelo outro. Neste caso relatado pelas classes
hegemônicas ou europeias. Sendo assim, nos deparamos com situações absurdas nas
elucidações dos textos dos livros utilizados pela escola, especialmente quando
o negro é descrito nas narrações históricas. Dificilmente se encontrará o negro
convivendo em um ambiente familiar, associações da cor preta a animais são frequentes
nas páginas dos livros, a beleza, a cidadania e virtudes positivas são
remetidos á raça branca. Compartilhando
do pensamento de Munanga (1986), o desmerecimento as particularidades e
diversidades dos povos colonizados, principalmente a dos negros, e na consequente
cultura de submissão imposta de cima para baixo, sem a menor possibilidade de
diálogo e confraternização, geraria frutos indesejáveis, pois
A ignorância em relação à história antiga dos negros, as diferenças culturais, os preconceitos étnicos entre duas raças que se confrontam pela primeira vez, tudo isso, mais as necessidades econômicas de exploração, predispuseram o espírito europeu a desfigurar completamente a personalidade moral do negro e suas aptidões intelectuais. O negro torna-se, então, sinônimo de ser primitivo, inferior, dotado de uma mentalidade pré-lógica (MUNANGA, 1986, p. 9).
A
partir da caracterização realizada á figura do negro no livro didático,seria
possível a criança negra sentir orgulho de sua raça/etnia? Ao internalizar
estereótipos inferiorizantes que provoquem sua baixa auto-estima e em, muitos
casos vergonha de estar associado á história de escravidão, submissão e
sofrimento, passaremos a verificar com bastante frequência na escola, a criança
ou jovem negro, auto- rejeitando suas matrizes e origens e, inclinando-se a á
procura de valores e culturas dos grupos sociais valorizados nas narrações
históricas. Para corroborar a presença de estereótipos negativos nos livros
didáticos, Ana Célia (2005), afirma o seguinte:
A presença dos estereótipos nos materiais pedagógicos e especificamente,nos livros didáticos, pode promover a exclusão, a cristalização do outro em funções e papéis estigmatizados pela sociedade, a auto-rejeição e a baixa auto-estima, que dificultam a organização política do grupo estigmatizado. (SILVA, 2005, p. 24)
A questão problematizadora que envolve a
função do livro didático na escola e na formação dos alunos refere-se pela
relevância simbólica atribuída ao mesmo, tendo em vista que em muitos casos, os
materiais escolares oferecidos pelas instituições de ensino são a única fonte
de leitura dos educandos. Uma oportunidade para a desconstrução da ideologia excludente
e racista presente nos livros didáticos, seria a observação com o olhar crítico para as interpretações que
deturpam e ocultam a verdadeira história dos povos estigmatizados, através da
tomada de consciência. Quando dizemos tomada de consciência, estamos nos
referindo a busca de referenciais positivos das respectivas comunidades, seja ela
no campo cultural, social, político, intelectual, entre outros demais. No caso
da comunidade negra, a busca pelo conhecimento do Movimento Negro, ou quem sabe
dos intelectuais e artistas negros que contribuíram positivamente para a cultura brasileira.
Enfim, o que se procura demonstrar é que
a consciência crítica estruturada de informações que consequentemente gera o
conhecimento, pode sim ser um instrumento de reconstrução da identidade
étnico/racial, trazendo para o aluno estigmatizado o orgulho de se associar as
suas respectivas matrizes, além de demonstrar ao outro a sua versão da
história, no qual tais interpretações e narrações possam contribuir para o seu
reconhecimento e valorização.
Conforme afirma Gomes (2005):
Sendo entendida como um processo contínuo, construído pelos negros e negras nos vários espaços − institucionais ou não − nos quais circulam, podemos concluir que a identidade negra também é construída durante a trajetória escolar desses sujeitos e, nesse caso, a escola tem a responsabilidade social e educativa de compreendê-la na sua complexidade, respeitá-la, assim como às outras identidades construídas pelos sujeitos que atuam no processo educativo escolar, e lidar positivamente com a mesma.(GOMES, 2005.p.44).
Outro
ponto primordial quando se aborda a discriminação racial na escola, dirige-se a
postura do educador na sala de aula. A grande maioria dos professores, pelo
menos os mais racionais, entende o tanto de desprezo em que se retrata a história
da comunidade negra nos materiais pedagógicos escolares. Outros tantos
educadores, demonstram não possuir nenhum tipo de preparo ou direcionamento
pedagógico, para lhe dar com a questão das relações étnico-raciais e da
diversidade cultural composta pela sociedade brasileira na rotina escolar.
Então, o que se observa no convívio dos alunos diariamente, são ofensas,
apelidos desmoralizantes e degradantes que conduzem á quem recebe as referidas
denominações inferiorizantes, á sentir-se minimizado e em muitas situações contrapor
com insultos e atos de violência. Conforme aponta Eliane Cavalheiro (2005), a
disseminação de preconceitos e injúrias no ambiente escolar e por que não dizer
na sociedade, muita das vezes inicia-se com um posicionamento submisso e
silenciante do educador, diante dos preconceitos e estigmatizações fomentadas
em sala de aula pelos alunos.
O silêncio escolar sobre o racismo cotidiano não só impede o florescimento do potencial intelectual de milhares de mentes brilhantes nas escolas brasileiras, tanto de alunos negros quanto de brancos, como também nos embrutece ao longo de nossas vidas, impedindo-nos de sermos seres realmente livres “para ser o que for e ser tudo” – livres dos preconceitos, dos estereótipos, dos estigmas, entre outros males.Portanto, como professores(as) ou cidadãos(ãs) comuns, não podemos mais nos silenciar diante do crime de racismo no cotidiano escolar, em especial se desejamos realmente ser considerados educadores e ser sujeitos de nossa própria história. (CAVALHEIRO, 2005,p 11-12)
O
despreparo do profissional da educação em saber lidar com os preconceitos
surgidos no âmbito escolar, adicionados a postura estigamtizadora dos livros e
dos documentos pedagógicos escolares, direciona o alunado negro ao fracasso
escolar. O educando ofendido moralmente perante aos outros alunos da classe,
seja essa ofensa proferida por outros alunos ou até mesmo na caracterização de
estereótipos nos livros didáticos, espera do professor um posicionamento que
lhes confortem. Podendo esse posicionamento ser expresso através de atitudes
que repudiem qualquer tipo de discriminação, seja ela étnica, racial,
religiosa, social, entre outras, ou até mesmo, na desconstrução de ideologias
que desqualificam e desvirtuam a identidade e história de vida do outro. Mais do que transmitir os conteúdos
e os fatos expostos no material didático aos educandos, os professores precisam
apresentar aos alunos a importância das diferentes etnias na construção da
identidade nacional brasileira, assim como, demonstrar a importância de se
analisar de forma crítica os possíveis posicionamentos que possam colocar em
xeque a história de vida de uma nação ou comunidade. Segundo Munanga (2005),
Não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. No entanto, cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados. Apesar da complexidade da luta contra o racismo, que conseqüentemente exige várias frentes de batalhas, não temos dúvida de que a transformação de nossas cabeças de professores é uma tarefa preliminar importantíssima. (MUNANGA, 2005, p.17)
A
grande questão de não observarmos com frequência o diálogo sobre relações étnico-raciais
no âmbito escolar, deriva-se da mentalidade de muitos educadores e
profissionais da área, acreditarem que esta tarefa é incumbência dos movimentos
sociais externos a escola, seja de militantes simpatizantes a causa e,
especialmente da política. Ao negar ou simplesmente acreditar que a escola não
possa ser um espaço privilegiado para o debate de questões pertinentes a
heterogeneidade cultural da sociedade brasileira e, consequentemente distanciá-los da realidade dos alunos, estaremos abrindo
mão da possibilidade de reparar ou
desconstruir ideologias que venham silenciar , discriminar ou até mesmo ocultar as distintas matrizes
culturais enraizadas em nossa
identidade. Conforme menciona Munanga (1999), “Ou a sociedade brasileira é
democrática para todas as raças e lhes confere igualdade econômica, social e
cultural, ou não existe uma sociedade plurirracial democrática.” (p.90-91).
Conforme aponta Frantz Franon[2],
Depois tivemos de enfrentar o olhar branco. Um peso inusitado nos oprimiu. O mundo verdadeiro invadia o nosso pedaço. No mundo branco, o homem de cor encontra dificuldades na elaboração de seu esquema corporal. O conhecimento do corpo é unicamente uma atividade de negação. É um conhecimento em terceira pessoa. Em torno do corpo reina uma atmosfera densa de incertezas. (FANON, 2008, p.104)
Não podemos ignorar ou negar, o mal
estar vivido pelo negro diante dos brancos. Invariavelmente boa parte deste
desconforto, é motivado por reproduções e interpretações intencionalmente
distorcidas da história de vida da comunidade negra. Estigmatizam sua cultura,
sua cor, seus costumes e religião, enfim, excluem dos padrões aceitáveis de uma
sociedade civilizada, suas origens e
peculiaridades. Constantemente o discurso pronunciado, parte da comunidade
branca hegemônica e, á medida em que a sociedade assimila tais discursos como
verdades irrefutáveis, principalmente pela produção de materiais pedagógicos
excludentes e do trabalho de divulgação
por intermédio dos meios de comunicação social, se cria graus de hierarquização
entre as comunidades envolvidas no processo de socialização.
Retomando a discussão para dentro da
escola, a manutenção de tais estereótipos, é fortemente alimentada, sobretudo,
pela posição do educador que não realiza uma interpretação crítica em sala de
aula, juntamente com os educandos, das representações referenciadas nos livros
escolares e dos possíveis desentendimentos gerados pela diversidade étnica,
racial, social ou religiosa entre os alunos. Conforme aponta Fanon (2008) o olhar
do outro para com aquele que não se assemelhe as suas características, ou
simplesmente, que não compartilhe de uma mesma história de vida, se torna denunciante e condenador, pois
Aos olhos do branco, o negro não tem resistência ontológica. De um dia para o outro, os pretos tiveram de se situar diante de dois sistemas de referência. Sua metafísica ou, menos pretensiosamente, seus costumes e instâncias de referência foram abolidos porque estavam em contradição com uma civilização que não conheciam e que lhes foi imposta....Depois tivemos de enfrentar o olhar branco. Um peso inusitado nos oprimiu. O mundo verdadeiro invadia o nosso pedaço. No mundo branco, o homem de cor encontra dificuldades na elaboração de seu esquema corporal. O conhecimento do corpo é unicamente uma atividade de negação. É um conhecimento em terceira pessoa. Em torno do corpo reina uma atmosfera densa de incertezas. (FANON, 2008, p.104).
Quando
se protesta por um currículo democrático onde se abrange as diferentes matrizes
culturais na formação da identidade nacional do brasileiro, em nenhum momento,
procura-se prevalecer novas interpretações em relação á cultura do branco, ou
da cultura universal. O que se busca na verdade, principalmente para uma
comunidade pluriétnica como a
nossa, é demonstrar a colaboração dos
distintos grupos étnicos á nossa
formação, procurando evidenciar os
valores positivos de cada uma destas culturas. Talvez com este esclarecimento, proporcionado por uma educação
de valorização e reconhecimento das diferenças étnicas, os alunos possam olhar
para o outro com mais respeito.
Com a implantação
da lei 10639/2003, fruto da conquista de luta e história do Movimento Negro, os
currículos escolares passaram a ter que incluir por obrigatoriedade, a história
de vida dos povos afro-brasileiros e de sua respectiva cultura. A de
considerarmos que a decretação da lei, é um grande avanço para a minimização de
estereótipos e ressignificação da imagem do negro na sociedade brasileira.
Porém, o importante é ressaltar que não se crie um abismo entre as propostas da
lei e a realidade vivida por alunos e educadores em sala de aula.
Partindo da realidade que ainda
convivemos numa sociedade racista, e mesmo com as modificações impostas pela
lei 10639/2003, ainda, após 11 anos de sua promulgação, se reproduz
consistentemente no ambiente escolar e na sociedade brasileira, o modelo
eurocêntrico de aprendizagem. Modelo enraizado em estigmatizações e deturpações
do negro e de suas origens.
Talvez não haja uma fórmula que vise abolir
o racismo no ambiente escolar. Mas, possivelmente, se passarmos a admitir que
convivemos e contribuímos diariamente para a disseminação de práticas racistas
no ambiente escolar, poderíamos já dar
um novo passo, que seria a contextualização e problematização destas questões
em sala de aula.
O que se espera de um professor, é que
suas instruções caminhem para a construção de um ambiente escolar democrático,
participativo e inclusivo. Dos currículos escolares e dos livros didáticos, a
garantia de abordar a diversidade cultural na formação da sociedade brasileira,
assinalando a participação das diversas etnias na construção de nossa formação
e desconstruindo ideologias estigmatizadoras que adulteram e marginalizam a
cultura e história de vida do outro.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CAVALLEIRO, Eliane S. Do
silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na
educação infantil. São Paulo: Contexto, 2005.
CAVALLEIRO, Eliane.(Org.) Racismo e anti-racismo na educação; repensando nossa escola. São
Paulo: Selo Negro, 2001.
Fanon, Frantz. Pele
negra, máscaras brancas; tradução de Renato da Silveira. - Salvador:
EDUFBA, 2008.
GOMES, Nilma Lino. Educação
e relações raciais: discutindo algumas estratégias de atuação. In: MUNANGA,
Kabengele (Org.) Superando o racismo na escola. Brasília: MEC, 2005.
MUNANGA, K. Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1986.
MUNANGA,
Kabengele (org) Superando o racismo na
escola. Brasília: MEC/SECAD, 2005.
SILVA, Ana, Célia. A
Desconstrução da Discriminação no Livro Didático. In: MUNANGA, Kabengele (Org.) Superando o racismo na escola.
Brasília: MEC, 2005.