Jamescley Almeida de Souza
Mestrando
em Letras (UFAM)
O presente ensaio procura abordar alguns
aspectos sobre a questão de gênero no romance Chuva branca. Como romance etnográfico, ele tem sido estudado
principalmente como uma das portas de entrada para a sociedade e para a cultura
da Terceira Amazônia. Aqui, todavia, explora-se o discurso de seu narrador,
Luis Chato, para tentar mostrar como ele enxerga e pensa a mulher. Tenta-se
saber, especificamente, que imagens da mulher, representada pela personagem
Mariana, aparecem no romance e como essa representação se relaciona com a sua
especificidade de mulher das comunidades rurais da Amazônia. Constitui objetivo
da pesquisa, ainda, saber como aparecem, em Chuva
branca, a dominação masculina, a violência contra a mulher e o seu
silenciamento.
Palavras-chave: Chuva branca.
Questão de gênero. Terceira Amazônia. Mulher amazônica.
ABSTRACT:
The present essay will approach some aspects about the
gender question in the novel Chuva Branca.
As an ethnographic novel, it has been studied chiefly as an entrance for the
meeting with the society and with the culture from the Third Amazon. Here,
however, it will be explored the Luis Chato’s discourses, its narrator, with
the objective of trying to show how he sees and thinks about the woman. It aims to know, specifically, what female
images, represented by the character Mariana, appear in the novel and how this
representation is related to her condition as a woman from the Third Amazon. It
will look for knowing also how the male domination, the violence against woman
and her silence appear in Chuva branca.
Keywords:
Chuva branca. Gender question. Third Amazon. Amazonian woman.
Introdução
Escrito por Paulo
Jacob, Chuva branca (1968) é um
romance do tipo etnográfico que tem como uma das principais características
apresentar-se como uma das portas de entrada para a sociedade e para a cultura
da Terceira Amazônia[i].
Não seria excessivo dizer que ele dá mesmo testemunho daquelas palavras de
Jouve (2002, p. 137), as quais invoco aqui, de que todo “texto literário ao
mesmo tempo contesta e supõe uma cultura”. Chuva
branca, pois, num certo sentido, se
levanta como um desses repositórios dos valores socioculturais dominantes dessa
Amazônia, sendo igualmente a partir desse ponto de vista que o romance jacobiano
tem sido predominantemente estudado.
Este ensaio, por outro
lado, abordará alguns aspectos sobre a questão de gênero que podem ser
explanados a partir do romance. Procurarei mostrar que a narrativa de Chuva branca constitui-se predominantemente
como um “monólogo interior”[ii] (SOUZA,
2015b, p. 114), cujo pensamento básico e simples, a partir disso, é que se
trata de um monólogo masculino, em discurso tipicamente indireto, a saber, de
um homem que fala do início ao fim da diegese, sem dar voz nem vez à mulher
amazônica[iii].
Em meu ver, isso é sintomático — insisto no adjetivo: sintomático — e pode sinalizar
para algumas questões que passo agora a levantar: o que esse narrador fala
sobre a mulher e como ela aparece representada em seu discurso? Como essa
representação se relaciona com a especificidade de sua condição como habitante
da Terceira Amazônia? E como aparecem, no romance, a dominação masculina, a
violência contra a mulher e o silenciamento?
Interessa-me, acima de
tudo, tentar entender os aspectos da questão de gênero que se apresentam no
romance Chuva branca, para cuja
tarefa inicio com algumas considerações sobre a tipicidade do discurso da
narrativa, passando, em seguida, aos objetivos propostos.
Chuva branca: um monólogo interior masculino
Chuva branca: um monólogo interior masculino
Confesso-me francamente
provocado pela tipicidade do discurso de Chuva
branca: um monólogo masculino, “do início ao fim” (LOURO, 2007, p. 77). Seu
narrador é Luis Chato, um típico ribeirinho ou homem da Amazônia rural, que
decide ir à caça e acaba se perdendo na floresta. A narrativa, a partir daí, é
o desenrolar de um monólogo que cobre os quarenta dias passados na selva em
busca do caminho de volta para casa.
Para mim, fica claro como
Paulo Jacob se utiliza da mesma técnica narrativa inventada pelo escritor
francês Edouard Dujardin e empregada por ele no romance Les lauriers sont coupés (1887). Nas palavras de Proença Filho
(2007, p. 52), um excelente exemplo desta técnica “se encontra num dos mais
famosos textos da literatura do Ocidente, o citado Ulisses, de James Joyce”, assim como “outro bom exemplo está no
conto Monólogos de Tuquinha Batista,
de Aníbal Machado”.
Uma das questões
centrais, pode-se dizer, que se depreende dessa tipicidade do discurso de Chuva branca é que, justamente por ser
um monólogo interior e, ipso facto, deixar
fluir livremente as ideias conforme surgem do inconsciente, toda a ideologia do
narrador é nele evidenciada: “é na língua que a ideologia se materializa”
(ORLANDI, 2005, p. 38). Some-se a isso o fato de serem seus pensamentos, suas
ideias e suas opiniões mais profundas que estão vindo à tona nesse monólogo, no
qual é quase nulo o grau de reflexão sobre o que ele está dizendo e revelando. Como
destaca Todorov (2006, p. 61), atrela-se à especificidade do monólogo interior
a “dissecação de sua [do narrador] consciência”. Tal é a ligação do tipo de
discurso empregado neste romance com as questões aqui levantadas, objeto de
interesse deste ensaio.
Antes de concluir este
tópico, uma coisa ainda é mister dizer. É sintomático que, em Chuva branca, em nenhum momento da
narrativa a mulher amazônica, representada pela esposa de Luis Chato, fale e se
expresse. Ela é nominada — Mariana —, aparece constantemente no imaginário e
nas memórias de seu marido, mas a ela nunca é dada a palavra, gesto simbólico e
que pode acenar para “a ideia sustentada pelo homem grego de que à mulher não
cabia ‘sustentar querelas’” (SOUZA, 2015a). Ainda neste sentido, e também por
último, é importante notar que Aristóteles chega a invocar um argumento do tipo
ad
verecundiam[iv] para ligar a mulher a esta negação ao uso do logos ou, ainda, ao suposto dever de estar
em silêncio: “mais vale, como Górgias, estabelecer a lista das virtudes do que
se deter em semelhantes definições e imitar, no mais, a precisão do poeta que
disse que ‘um modesto silêncio é a honra da mulher, ao passo que não fica bem
no homem’” (ARISTÓTELES, 2002, p. 27). Retomarei este argumento posteriormente,
ao falar sobre o silenciamento.
Procurando não ser tendencioso
ou excessivamente unilateral, devo dizer que somente em um único momento,
situado à página 52, ela faz uso da palavra: “Mariana botou-se a arengar que
era culpado. Vai logo matar teu mutum, que quero minha joia. Nessa reclamação
foi dias. Mato tão diferente. Se estou indo na queda do sol, não tem errada,
rumo do varadouro” (JACOB, 1968, p.
52). E mesmo assim, como se pode analisar, o uso é feito por meio de uma
“heterogeneidade constitutiva” (MAINGUENEAU, 1997), não marcada
linguisticamente, em discurso indireto, e que se entrelaça ao discurso
masculino. Em meu ver, esse entrelaçamento de discursos trata-se de outro gesto
simbólico do monólogo masculino de Chuva
branca e remete claramente às palavras de Beauvoir (1970, pp. 11, 98): “o
homem é pensável sem a mulher. Ela não, sem o homem [...]. O lugar da mulher na
sociedade é sempre eles que estabelecem”. Ou, ainda, adotando as considerações
de Butler (2003, p. 28), “as mulheres representam o sexo que não pode ser
pensado” porque “a pessoa universal e o gênero masculino se fundem em um só
gênero, definindo com isso, as mulheres nos termos do sexo deles e enaltecendo
os homens como portadores de uma pessoalidade universal que transcende o
corpo”. Ou mesmo Bourdieu (2012, p. 23): “o princípio masculino é tomado como a
medida de todas as coisas”. Em direto: a mulher fala em Chuva Branca, uma única vez, mas pontuada pela fala do marido (!).
Um último ponto sobre
este tópico, e que pode ser observado no episódio aludido acima, quando a ave
de criação de Luis Chato engole uma joia de Mariana, e esta ordena que ele a
mate, parece-me também expressamente sintomático a forma com que a narrativa
rompe com a fala feminina, único momento em que ela figura em ação, e passa a
divagar sobre coisas várias, assim como o “mato tão diferente” mirado na
floresta.
De como a mulher aparece representada no monólogo de Luis Chato
Passo, agora, a
destacar o que Luis Chato diz sobre a mulher e como ela aparece representada em
seu monólogo. Minha ambição é enfatizar, neste tópico, a representação da
mulher em Chuva branca a partir de três
símbolos ou imagens que no livro aparecem: a mulher como símbolo de sedução e
de beleza, a mulher como o suposto sexo frágil e, baseado em termos
beauvoirianos, a mulher como o princípio do “caos” (BEAUVOIR, 1970).
Uma das primeiras
imagens femininas que aparecem no romance Chuva
branca é a da mulher como símbolo de sedução e de beleza, e que vem à luz
no início da caçada, no momento em que o narrador avista o animal, uma anta, e
comenta: “estirada na cama, não se levanta, dengosa como mulher. O homem que
venha, faz-se de bonita. Espicha a cabeça, espera” (JACOB, 1968, p. 14).
A comparação realizada
pelo narrador entre a anta e a fêmea da espécie humana, fato que pode ser
encarado — com toda justiça — como sendo de tom pejorativo, ressalta,
parece-me, a milenar sedução que os atrativos físicos da mulher têm despertado
no homem. Nesta comparação, em particular, o encanto do homem pelos atrativos
da besta chega quase a se aproximar de uma zoofilia, um interdito que, em
princípio, em virtude da escassez de mulher no espaço amazônico, muito chegou a
acontecer, como claramente revelam as ficções sobre o ciclo da borracha. Como
ele próprio diz, no mesmo episódio, “se estiver deitada, espera o macho, no
caso sou eu”.
Homero, para Carpeaux
(2011, p. 159) o “maior dos poetas”, deu testemunho do poder sedutor feminino,
em sua Odisseia, não somente para os
gregos de sua época ou das gerações posteriores, mas ainda para os homens de
toda a civilização ocidental e mesmo do mundo inteiro. No duodécimo canto de
seu poema épico, ele insere o episódio em que Circe conta a Odisseu o que ele
deve fazer para sobreviver aos encantos das sereias, não se lançando ao mar e à
morte certa:
Pois
bem; atende agora, e um deus na mente meu conselho te imprima. Hás de as
sereias primeiro deparar, cuja harmonia adormenta e fascina os que as escutam:
quem se apropinqua estulto, esposa e filhos não regozijará nos doces lares; que
a vocal melodia o atrai às veigas, onde em cúmulo assentam-se de humanos ossos
e podres carnes. Surde avante; as orelhas
aos teus com cera tapes, ensurdeçam de todo [grifos meus]. Ouvi-las podes
contanto que do mastro ao longo estejas de pés e mãos atado; e se, absorvido no
prazer, ordenares que te soltem, liguem-te com mais força os companheiros
(HOMERO, 2009, XII, vv. 26-40).
Por meio do conselho da
deusa, Homero ultrapassa “as categorias conscientes do estilo ou da sintaxe”
(ROGER, 2002, p. 99) e faz ressoar com grande impacto ainda hoje a verdade
sobre a fraqueza masculina diante da sedução feminina (ou mesmo diante de uma
fêmea quadrúpede, como acontece aqui com Luis Chato). Explorando o significado
último do mito, o qual “tem a ver com os impulsos profundos de nossa psique”
(PALMER, 2001, p. 40), Homero cristaliza a imagem feminina como símbolo de Daí
ter sido necessário, para escapar, ele atender ao conselho de Circe, tapando os
seus ouvidos e amarrando os seus marujos no barco.
Acho conveniente
inserir ainda, aqui, um comentário sobre a referência que a deusa faz ao órgão
da audição. Como podemos inferir do conselho de Circe, Odisseu podia mirar as
sereias, e até mesmo ouvi-las, contanto que para esta última experiência estivesse
amarrado ao mastro do navio. O poder letal das ninfas marinhas, com o qual elas
atraíam os nautas para o fundo do mar, lugar onde já cumulavam “humanos ossos e
podres carnes”, parecia estar, portanto, naquilo que chegava a eles pelos
ouvidos: a “harmonia” e “a vocal melodia”.
A mesma voz maviosa, de
poder letal, é também creditada, na mitologia amazônica, à mãe-d’água, a musa
dos caboclos, capaz de levar os que se maravilham com o seu canto para o fundo
dos rios. A questão central que procuro trazer com a inserção deste comentário
sobre a audição é que esse aspecto do mito, imortalizado por Homero na Odisseia, cai diante de uma observação
feita por Feuerbach, precursor da psicanálise, de que o ouvido é “o órgão do
medo [...], o pai dos deuses [...], o sentido místico e supersticioso”, ao contrário
dos demais sentidos, que “são órgãos da crítica e do ceticismo” (FEUERBACH,
1989, pp. 31, 32). Muito embora o rosto humano seja “antes de tudo o
instrumento que serve para seduzir” (BACHELARD, 1997, p. 23), é o ouvido o
sentido da divinização.
Na floresta, as
lembranças de Luis Chato que remetem à mulher como símbolo de beleza ressoam o carpe diem horaciano, ligadas que estão
à mocidade e ao “fogo” característico dessa idade: “Fica até bonito, igual
sinal de beleza. Covinhas no rosto de mulher. Sorriso de cunhantã. Faz lembrar
de festa, rapazinho novo, cachaça no bucho, um fogo danado, cocava as cunhantãs
no sereno, se topava, capoeira com ela”.
Atinente à beleza
feminina, na cultura grega, o mito de Pandora (gr. pan, todos, e dora,
presente) comunica que a primeira mulher “foi feita no céu, e cada um dos
deuses contribuiu com alguma coisa para aperfeiçoá-la. Vênus deu-lhe a beleza [grifos meus],
Mercúrio, a persuasão, Apolo, a música” (BULFINCH, 2002, p. 20). Um ponto
observado nesta citação, e que me permito comentar, é que percebe-se, aqui, a
reunião de três elementos de fascínio — a beleza, a eloquência e a música — em
um único sexo: a mulher. Não é sem razão que a mulher, como salienta Bourdieu
(2012, p. 79), é constituída como “um ser-percebido, [em quem tudo] concorre
para fazer da experiência feminina do corpo o limite da experiência universal
do corpo-para-o-outro, incessantemente exposto à objetivação operada pelo olhar
e pelo discurso dos outros”.
Em A água e os sonhos, Bachelard (1997, p. 18) recorre ao mito bíblico
para discorrer sobre a beleza da mulher, e diz que a mulher está associada ao
sonho, pois “os devaneios e os sonhos são, para certas almas, a matéria da
beleza. Adão encontrou Eva ao sair de um sonho: por isso a mulher é tão bela”. E,
concluindo as considerações acerca dessa representação feminina em Chuva branca, “belas mulheres” eram um
dos “itens” para os quais Diderot (1979, p. 113) conclamava os homens a
gastarem seu dinheiro: “E, diabos, em que desejais que se empregue o dinheiro,
se não for para ter boa mesa, boa companhia, bons vinhos, belas mulheres?”.
Ao ser picado por um
artrópode — o lacrau preto, um regionalismo para o escorpião —, Luis Chato
revela outro traço de sua ideologia concernente à mulher. Ele a considera
sentimental, frágil e que chora facilmente: “Logo lacrau preto, doença de gemer
vinte e quatro horas seguidas. Tem macho de gritar, é vê mulher botando filho
[...], um homem no gemido de fêmea safada, dengosa ao lado do macho” (JACOB,
1968, p. 175).
Ele critica o “macho”
que, ao ser picado pelo artrópode, grita à maneira de uma “mulher botando
filho” e fica vinte e quatro horas em um “gemido de fêmea safada”. Pondo isto
em palavras mais claras, o homem, dado mais à razão, costuma recriminar a
mulher e lançar para o campo daquilo que é supérfluo os valores que são
inerentes ao sexo feminino. Sem sequer se permitir a uma olhadela nesses
valores, passa ele a sobre-estimar unilateralmente as qualidades situadas no
lado da virilidade, tais como “a força e resistência ao cansaço, a aptidão para
superar o sofrimento físico e a dor moral” (CORBIN; COURTINE; VIGARELLO, 2013).
Essas qualidades têm,
sem sombra de dúvida, a sua devida importância, mas o que me permito criticar,
aqui, é a práxis que acaba por esquecer — ou preferir mesmo não saber — que o
mito de Platão, registrado no Banquete,
e que versa sobre os “três gêneros da humanidade” aponta para um possível
mistério de serem os dois, homem e mulher, uma “téssera complementar” (PLATÃO,
1991, p. 58), possuindo, cada metade, uma parte extremamente importante de um
todo. Tomando por base o mito platônico, é possível dizer que cada metade ou
parte possui sua igualdade de peso e é equivalente. Talvez seja nesse sentido,
parece-me, que, após milênios de dominação masculina, tem-se saudado — desde o
século passado — a chegada de uma “sabedoria da noite” e de uma “feminização do
mundo”, assim como atitudes que “permitem aprender a importância dos afetos e
paixões” (MAFFESOLI, 2004, p. 178).
Tal chegada,
entretanto, não tem sido de todo percebida e a importância dos “afetos e
paixões” permanece relativamente desconhecida, ignorada e até mesmo recriminada
no mundo masculino. Comentando sobre o amor como a lei da mulher na peça Antígona, Hegel (1997, p. 156) chega a
dizer que tal lei é a lei da “substancialidade
subjetiva, da intrinsecidade que ainda não alcançou a sua plena realização”. E
considerando que algumas verdades permanecem invisíveis ou mesmo subterrâneas,
é possível que o mundo masculino continue recriminando a sensibilidade e
ignorando o postulado jungiano de que homem e mulher possuem as mesmas
“essências” ou “personificações” (JUNG, 1964, 177), embora a mulher seja mais
dada à anima (sentimentos), e o
homem, mais dado ao animus (pensamento
racional). Desta forma, a lei de que
fala Hegel, em seu comentário sobre a Antígona,
talvez encontre dificuldades para alcançar “a sua plena realização”.
Neste ponto, ainda tecendo
considerações a respeito da representação da mulher como o suposto sexo frágil,
como o faz Luis Chato, ao dizer que o homem picado de lacrau chora igualmente a
uma “mulher botando filho”, tenho por interessante invocar o pensamento de
Bourdieu quanto ao que significa a virilidade. Segundo o sociólogo francês, a
virilidade é, grosso modo, um
afastamento violento de tudo o que remete à categoria tipicamente feminina: “a
virilidade, como se vê, é uma noção eminentemente relacional, construída diante
dos outros homens, para os outros homens e contra
a feminilidade [grifos meus], por uma espécie de medo do feminino, e
construída primeiramente dentro de si mesmo” (BOURDIEU, 2012, p. 67). Uma
construção “contra a feminilidade” é o que significa a crítica do homem
amazônico ao comportamento diferenciado das mulheres diante das realidades e
das experiências do mundo.
Para concluir o
comentário sobre essa imagem, invoco Alexandre Dumas, citado por Bachelard,
sobre como respondia à sua mãe quando esta o pegava chorando e perguntava-lhe:
“— Por que é que Dumas está chorando? — Dumas está chorando, porque Dumas tem
lágrimas, respondia o menino de seis anos” (BACHELARD, 1978, p. 208).
Não é sem razão que, em
Chuva branca, também apareça a imagem
da mulher como o caos, como agora passo a analisar.
Se calhar
foi o bode da mulher que me empanemou. Deve de estar na lua. Se tivesse dito,
não vinha. E ela sabe disso, por que não me disse? Jogar essa merda de cartucho
fora. [...] Culpo Mariana por essa desgraça de panemice. Sabe bem que tenho
cisma de mariscar, caçar, quando está na lua dela. Por que não disse? Vergonha
não é. Das vezes que quero, a desculpa é essa. Por que escondeu, se antes me
disse, não vinha há mais de mês. Tomou chá de maria-mole, a modo arriar (JACOB,
1968, pp. 46, 49).
A ideia diretriz para o
meu comentário sobre essa representação da mulher figurada no romance é tomada
de Beauvoir, que, em O segundo sexo:
fatos e mitos, insere uma
citação atribuída a Pitágoras, a qual diz: “há
um principio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que
criou o caos, as trevas e a mulher” (BEAUVOIR, 1970, p. 6). Mas a mesma ideia,
ou mesmo um mito, também pode ser buscada, à mancheia, em diversas culturas,
como a grega, onde o Caos é o lugar de onde saem praticamente todos os seres
criados: “uma informe e confusa massa, mero peso morto, no qual, contudo,
jaziam latentes as sementes das coisas” (BULFINCH, 2002, p. 19). Ou, ainda, no
mito judaico-cristão, o qual relata que a porção seca, e bem assim quase todas
as coisas, veio a existir a partir das “trevas sobre a face do abismo”, como
registra o livro de Gênesis.
Parece-me
ir nesse mesmo sentido, e manifestando a mesma ideologia materializada na
citação atribuída a Pitágoras, o comportamento de Luis Chato em responsabilizar
Mariana, a sua mulher, pelo seu insucesso na caçada. Sua convicção inveterada é
a de que ele teria errado o tiro na anta porque a sua mulher estava de “bode” —
regionalismo para a menstruação — e não teria lhe avisado. Como ele mesmo
assevera, “se calhar foi o bode da mulher que me empanemou”.
Antes
de abordar, com mais vagar, a ideia diretriz sobre a mulher como representação
do caos, proposta para este tópico, permito-me registrar, com este excerto, um
traço característico da religiosidade amazônica, que é a crença na panema. Araújo
(2003, p. 483), um dos maiores nomes da sociologia na Amazônia, pontua que o
homem da região é “imensamente crédulo em crendices e magias, em ideias de
demônios, de azar, de maldição, de desgraça, em animais agourentos, em plantas
misteriosas e em comportamentos azarentos”. E a ficção de Paulo Jacob é
especialmente verossímil, neste ponto, como pode ser atestada por trabalhos
realizados no campo antropologia. Para citar apenas um deles, Eduardo Galvão, o
primeiro brasileiro a receber um título de doutorado pela Universidade de Nova
York, por meio do trabalho publicado sob o título Santos e visagens, diz ser a panema uma “força mágica que
incapacita o indivíduo para a realização de suas empreitadas, cuja fonte se
atribui a mulheres grávidas ou menstruadas” (GALVÃO, 1955, p. 5).
Ainda
neste nível, que trata da representação da mulher como o princípio do caos,
Beauvoir exibe, no primeiro volume de O
segundo sexo, o registro antropológico de várias culturas que atribuem ao
mênstruo certos poderes causadores de danos ao homem:
Certos
povos imaginam que há, na vagina, uma serpente que morderia o esposo no momento
da ruptura do hímen; atribuem-se virtudes terrificantes ao sangue vaginal,
aparentado ao sangue menstrual e suscetível, ele também, de quebrar o vigor do
homem. Através dessas imagens, exprime-se a ideia de que o princípio feminino
tem mais força e comporta mais ameaças estando intato (BEAUVOIR, 1970, p. 194).
Dado
este fato, em outros povos, como aqueles da costa de Malabar, para não correrem
o risco de se exporem a “forças maléficas”, os homens teriam terceirizado o
serviço referente ao rompimento do hímen:
Na
costa de Malabar os brâmanes encarregam-se dessa operação que executam, ao que
se diz, sem alegria e pela qual exigem salários elevadíssimos. Sabe-se que todo
objeto sagrado é perigoso para o profano, mas os indivíduos consagrados podem
manejá-lo sem correr risco; compreende-se, portanto, que os sacerdotes e os
chefes sejam capazes de domar as forças maléficas contra as quais o esposo
precisa proteger-se (BEAUVOIR, 1970, p. 195).
Ao
analisar o excerto colocado acima, não poderia deixar de mencionar, igualmente,
a minha impressão de ver ecoado, nas palavras de Luis Chato, o discurso
masculino milenar e edênico. Da mesma forma com que o homem atribuiu à mulher
uma suposta queda de um estado de bem-aventurança, Mariana é responsabilizada
pelo seu marido pelas desventuras sofridas durante uma caçada. E da mesma
maneira que Adão teria culpado Eva, quando por Deus foi interrogado, Luis Chato
reverbera: “culpo Mariana por essa desgraça de panemice”.
Na
cultura grega, o mito de Pandora atribui à mulher a entrada no mundo de “uma multidão de pragas que
atingiram o desgraçado homem, tais como a gota, o reumatismo e a eólica, para o
corpo, e a inveja, o despeito e a vingança, para o espírito” (BULFINCH, 2002,
p. 22). Saliento também que, na Oréstia, de
Ésquilo, considerada por Lesky (1996, p. 102) como “uma das maiores criações da
arte humana [...], um exemplo de magnificência superior a qualquer medida”, os
anciãos gregos que formam o coro em Agamêmnon
decidem fazer de Helena não só o estopim de todo o conflito que foi a
guerra de Troia, como ainda responsabilizá-la por todo o mal que sobreveio aos
argivos, ao declamarem: “Quem terá dado nome tão correto a Helena bela, essa
esposa de espadas, envolta em desavenças, dor e ruínas, nascida para destruir
armadas e perdição dos homens e cidades [...] Ah! Louca Helena! Foste a causa
única da destruição de muitas, muitas vidas?” (ÉSQUILO, 2004).
Neste
nível, é significativo, em algumas culturas, o costume de tentar abolir os
laços e os vínculos com a mãe (símbolo da terra, da umidade, da natureza e da
noite) ou, ainda, de buscar negar a parte feminina do masculino, como vai
registrar Bourdieu. De acordo com o sociólogo francês, esta tentativa se
manifesta, por exemplo, “com o primeiro corte de cabelo do menino [...]. Daí a
importância do primeiro corte de cabelos, que está, igualmente, ligado ao fato
de que a cabeleira, feminina, é um dos elos simbólicos que unem o menino ao
mundo materno” (BOURDIE, 2012, p. 36). Evoco, aqui, esta citação porque tal cultura,
parece-me, aponta para o mito que costuma representar a mulher como sendo o princípio
do caos, sendo também esta a razão que leva o homem, o suposto símbolo da ordem
e da luz, a buscar a separação dos dois princípios.
Em
Ecce homo, livro no qual Nietzsche
explica o “porque sou tão sábio” e o “porque escrevo tão bons livros”, essa
mesma imagem da mulher — princípio do caos — pode ser vista na declaração do
filósofo alemão no momento em que fala de sua mãe e de sua irmã. Nietzsche (2008,
p. 15) chega a dizer que o tratamento que recebe por parte de suas familiares
infundem nele “um horror indizível: está aqui em ação uma perfeita máquina
infernal, com segurança infalível sobre o instante em que com crueldade me
podem ferir nos meus instantes mais altos”. Percebe-se, aqui, que a “categoria
do Outro” (BEAUVOIR, 1970, p. 11), preenchida pelas figuras da mãe e da irmã,
significavam, para ele, um perigo à sua ambição de se elevar “por cima dos
milênios”, respirar a “atmosfera das alturas” e entregar à humanidade “a
realidade integral do homem” (NIETZSCHE, 2008).
Da
representação da mulher amazônica no romance e sua relação com a especificidade
de sua condição
Meu objetivo, com este
tópico, é tentar mostrar como a representação feminina que aparece em Chuva branca se relaciona com a
especificidade das condições socioeconômicas e espaciais nas quais vive a
mulher amazônica e que marcam a região. Procurarei destacar, especificamente,
que essas condições são responsáveis não somente por manter o ser humano que
nele está presente preso a uma tônica social marcada pela miséria, como ainda
chegam a formar um segundo filão de luta, por parte da mulher, no que tange às
questões relacionadas ao gênero. Dito de outra maneira, é possível dizer que antes
de buscar a satisfação de suas necessidades superiores, a saber, a sua
afirmação e o seu pleno desenvolvimento como mulher, a mulher amazônica precisa
lutar primeiramente pelo preenchimento de necessidades consideradas inferiores,
tais como a sobrevivência, a alimentação ou mesmo a segurança, impedindo a
busca por aquelas.
O excerto que segue abaixo
ajuda a revelar como as condições socioeconômicas, auxiliadas pela hostilidade
de um espaço que ainda não foi totalmente dominado pelo ser humano, marcam a
identidade da mulher amazônica:
A
mulher, então, essa nem se fala. É aquele langanho de seca, boca chupada,
feinha. Idade, aperturas. Quando moça até que era bonita, cobiçada. Mas tão
boa. Ajuda na limpa da roça, na derrubada, serviço de homem. Ninguém igual pra
fazer farinhada. Pega certo no rolo, dá conta da urupema, sustenta de rijo o
remo na torração. Faz uma coisa e outra, o bicho no trabalho. Ainda tem lá os
afazeres dela de casa. Os meninos ao lado, no adjutório (JACOB, 1968, p. 20).
É possível ter, por
meio do discurso de Luis Chato, uma noção realista da humana conditio da mulher amazônica, representada, aqui, por
Mariana. Após anos de casados, o ribeirinho olha para a sua esposa e observa nela
o definhamento fisiológico precoce em virtude das duras condições existenciais
infundidas pelo espaço amazônico: “é aquele langanho de seca, boca chupada,
feinha. Idade, aperturas”, é o quadro que ele faz da companheira.
Em seu ensaio, no qual
estudou a significação social da Amazônia em Chuva branca, Louro (2007) observa como o narrador compara as
mulheres da cidade, um “mulherão rosado” e “dentes branquinhos” com as mulheres
das comunidades rurais da região. A vida até colabora, presenteando com o vigor
físico e com a graça tão peculiares à mocidade, como é narrado, mas o clima
inóspito e hostil, assim como as condições sociais precárias logo deixam as
suas marcas.
A vida em “aperturas” parece
ser, na Amazônia, a tônica e a síntese social. Inúmeros autores, três dos quais
escolho citar aqui, não só registram como denunciam esse traço do viver
amazônico. Djalma Batista (2007, p. 115) destaca que, nesta Amazônia, “a vida,
essa continua na mesma primitividade”, enquanto que Veríssimo (1970, p. 70), em
Estudos amazônicos, chega a falar de
uma “profunda miséria do triste viver amazônico”. A mesma tônica social foi
notada por Agassiz e Agassiz (1975) em sua viagem pela região durante os anos
de 1865 e 1866, ressaltando a “incúria” e a “miséria” das habitações da gente
que nela habitava.
Mostrei, acima no
texto, e em linhas gerais, como relaciono a representação da mulher vista em Chuva branca à especificidade de sua
condição. Passo, agora, a utilizar o conceito que ficou conhecido como a
Hierarquia de Maslov (1970 apud DAVIS,
2001), que trata da satisfação das necessidades, para tentar explicar como grande
parte da realidade vivida pela habitante da Amazônia tem a ver com esse modelo
de teoria. A ideia simples e básica defendida por ela é que “as pessoas não são
motivadas a satisfazer as suas necessidades superiores até que as inferiores
sejam satisfeitas” (MASLOV, 1970 apud DAVIS,
2001). Meu argumento é o de que é neste ponto que o conceito desenvolvido por
Maslov se relaciona com este tópico, pois, aqui, o espaço é um problema.
E um ensaio sobre Chuva branca, Souza e Louro realizam um
comentário sobre a hostilidade desse meio natural, em especial sobre como ele
se apresenta como o antagonista do homem, ao mesmo tempo em que lhe acolhe:
Tudo
parece desafiá-lo: o clima, a vida cercada pelas matas, as grandes águas, o
chão pobre, as doenças endêmicas, as bestas-feras, a distância de tudo, a
subnutrição, o latifúndio predominante. Tudo se apresenta como antagonista, o
que o faz exprimir constantemente o sentimento de miséria e condições paupérrimas
de vida (LOURO; SOUZA, 2014, p. 141).
É neste sentido que,
tomando por base o conceito da Hierarquia de Maslov, é possível entender a
dificuldade da mulher amazônica em buscar por aspectos humanos superiores se
ela vive, em prática, para satisfazer as suas necessidades inferiores. Encravada
nas selvas e nos rios, ela buscará por comida e por segurança, por exemplo, antes
de procurar se importar com o que as pessoas pensam sobre ela. Por mais
importantes e absolutos que sejam, valores como o amor-próprio, a sensação de
domínio, de aceitação e de realização, neste caso, precisam vir depois e só duramente
são conquistados.
Em um episódio, no
roçado, estando presentes Mariana, Luis Chato e um compadre, as duras condições
sociais em que vivem vêm à luz. Mariana não está vestindo a pequena calça, por
não tê-la há já algum tempo, sofrendo a exposição de sua genitália:
A
mulher quase nua, com dois vestidos, calça não usa sei lá quanto tempo. Quando
saco de açúcar se comprava no barato, tinha umas delas. Faz vergonha à gente.
Naquele dia no roçado, desprevenida, compadre Juvenal na frente. Virou até a cara.
Fiquei com tanta raiva, só pensar que tinha visto o lá dela. Juvenal foi decente,
tirou os olhos de riba (JACOB, 1968, p. 54).
Louro (2007, p. 78) vê,
aqui neste excerto, com Mariana de pernas abertas, um simbolismo para a
Amazônia, uma região que “é livre e dá acesso a quem quer chegar e ver, entrar
e levar, é a denúncia de biopirataria e outros artifícios de que fomos e somos
vítimas”. Até mesmo sem roupa íntima, Mariana é o retrato da miséria social
reinante da Terceira Amazônia.
Em outro trecho,
Mariana sofre zombaria por parte de uma mulher “ricaça”, que faz “troça dos
trajes da pobre. Olhou bem nos botões da grinalda, botou-se a rir, riu a valer,
na cara da gente. Mariana encabulada, chorou de vergonha” (JACOB, 1968, p. 24).
Fica claro o quanto Mariana sofre para se firmar como mulher em áreas onde, via
de regra, a categoria feminina costuma não somente se destacar como gosta
também de se sobressair, como o cuidado com os trajes, com os atavios, com a
beleza etc. Ou mesmo com relação a “maneiras de usar o corpo, profundamente
associadas à atitude moral e à contenção que convêm às mulheres” (BOURDIEU,
2012, p. 40), como o cuidado feminino em procurar manter as pernas fechadas
quando se sentam ou quando se abaixam. As palavras de Spivak (2010, p. 85),
aqui, fazem sentido: “evidentemente, se você é pobre, negra e mulher, está
envolvida de três maneiras”.
Uma coisa ainda é
mister dizer sobre essa especificidade relacionada ao meio natural, e que está
ligada aos papeis de gênero culturalmente atribuídos ao homem e à mulher. Em
razão das características do meio amazônico, considerado um deserto em termos
demográficos, há frequentemente uma sobreposição ou troca de papeis de gênero dentro
de um casamento, como pôde ser visto no texto acima. Mariana “ajuda na limpa da
roça, na derrubada, serviço de homem. Ninguém igual pra fazer farinhada”, sendo
admirada pelo marido em razão desse fato. Em termos beauvoirianos, o homem pode
não reconhecer a mulher como “um semelhante” se ela não partilhar da “sua
maneira de trabalhar e de pensar”, continuando “escravizada aos mistérios da
vida” (BEAUVOIR, 1970, p. 98). Ele, por outro lado, “dispensa justificação” e a
sua “visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se
enunciar em discursos que visem a legitimá-la” (BOURDIEU, 2002, p. 18). Neste
particular, sendo “o bicho no trabalho”, é compreensível que Mariana se prive
de preencher as suas necessidades superiores atinentes à sua feminilidade em
favor do preenchimento daquelas mais básicas.
De
como aparecem, no romance, a dominação masculina, a violência contra a mulher e
o seu silenciamento
A dominação masculina
de que falo neste tópico encontra seus pressupostos teóricos no trabalho de
Bourdieu, em especial, aquele intitulado A
dominação masculina, e também em outros teóricos. Quando abordo a violência
sexual contra a mulher, tal como ela aparece em Chuva branca, invoco o conceito de “eros incontrolado”, de Marcuse
(1975), assim como algumas ideias freudianas sobre a sexualidade. Tento, por
último, sustentar a ideia de que é comum o homem enaltecer o silêncio como um
adorno que deverá figurar em seu tipo ideal de mulher.
A partir do excerto
colocado abaixo, assim como de outros posteriormente, vou deter-me um pouco em
cada um destes pontos.
Dizia
que não queria. Não era moça disso, namorar namorava. Coisa feia, fosse com
outra. Insistia, falava que era moça virgem. Dessas nunca não tinha feito com
ninguém. Sabia que não era, a rapaziada contava. Jogava no chão, reclamava
deixando, gostava das beneficiadas, picada aberta. De iludição de moça mesmo,
disso nunca fui. Bancar mateiro, furar mata virgem. Coisas de rapaz, lembrança
da saudade [...]. No causo da festa, acho que disso não houve. Estava de
principio de intenção, cortei a tempo. Levei de volta pra casa, naquele
arregaço pelo caminho, safanões em cima de safanões, brabo no trato com a
mulher (JACOB, 1968, p 39, 163).
Neste excerto de Chuva branca, fica clara a violência exibida
pelo homem contra a mulher, ligada ao seu desejo sexual, ao que Marcuse (1975) chamará
de “eros incontrolado” do homem, ou ao que Bataille (1987, p. 20) colocará como
“um dos aspectos da vida interior do homem”.
Este “eros” o leva a
coagi-la, a violenta-la, em busca de satisfazer sua libido, conceituada por
Freud (1996, p. 133) como “uma força quantitativamente variável que poderia
medir os processos e transformações ocorrentes no âmbito da excitação sexual”. Luis
Chato conta que costumava jogar a moça no chão e a forçava a fazer sexo com
ele, principalmente quando sabia, em conversa com a “rapaziada”, que a jovem já
não era mais “moça virgem”. E que gostava mesmo daquelas que já tinham tido
experiência sexual, chamadas aqui por ele de “beneficiadas”, pois nunca não lhe
ocorria de ter “iludição” por “furar mata virgem” e de “bancar o mateiro”. Em
termos freudianos, “que a crueldade e a pulsão sexual estão intimamente
correlacionadas é-nos ensinado, acima de qualquer dúvida, pela história da
civilização humana” (FREUD, 1996, p. 98). O ato sexual, em si, lembra Bourdieu
(2012, p. 29), pode significar “dominar”, “abusar” e enganar”, de modo que
“resistir à sedução é não se deixar enganar, não se deixar ‘possuir’”.
Ao buscar o “conceito
de homem que emerge da teoria freudiana”, Marcuse (1975, p. 32) reconhece, com
o pai da Psicanálise, que “a história do homem é a história da sua repressão”. O
prazer, declara Foucault (1988, p. 45), “se difunde através do poder cerceador e
este fixa o prazer que acaba de desvendar”. Essa coação é, em certo nível,
necessária pois é ela a própria precondição do progresso:
se
tivessem liberdade de perseguir seus objetivos naturais, os instintos básicos
do homem seriam incompatíveis com toda a associação e preservação duradoura:
destruiriam até aquilo a que se unem ou em que se conjugam. O Eros incontrolado
é tão funesto quanto a sua réplica fatal, o instinto de morte. Sua força destrutiva
deriva do fato deles lutarem por uma gratificação que a cultura não pode
consentir: a gratificação como tal e como um fim em si mesma, a qualquer
momento. Portanto, os instintos têm de ser desviados de seus objetivos,
inibidos em seus anseios. A civilização começa quando o objetivo primário isto
é, a satisfação integral de necessidades é abandonado (MARCUSE, 1975, p. 33).
No caso da mulher
amazônica, em particular, é possível dizer que esse eros incontrolado masculino
encontra, na Terceira Amazônia, seu ambiente ideal: um meio não dominado pelo
homem em sua totalidade e um deserto em termos demográficos e em termos de
presença feminina. Meu argumento é que, agregados, esses fatos ajudam a explicar,
embora absolutamente não justifiquem, a ousadia masculina atinente à violência
sexual contra a mulher retrata no romance.
Luis Chato conta mais:
Menina
nova [Zizinha], pensei que não era mais nada, tinham me dito, destaboquei a
bichinha. Jitinho ainda, pelos não tinha, nem moça feita era. Guardou segredo
até hoje. Passado tempo casou-se. O marido bancou estopa de calafeto, pensava
ser o primeiro a conhecer a menina. Se depois toda a rapaziada avançou, cada um
tirando o seu. Rapaz daqui é assim, sabendo, espera oportunidade. Lugar onde
não tem gente. Se põe de espera onde costuma passar, no mato próximo de casa,
caminho do cagador, do porto, do roçado. Não canta nem nada. Botou no chão, faz
o serviço (JACOB, 1968, p. 88).
Gostaria ainda, à luz do
uso da força física masculina que acompanha a violência sexual contra a mulher,
de evocar algumas considerações sobre as diferenças fisiológicas entre homens e
mulheres e que são atinentes a cada sexo. Um dos maiores pesadelos pelos quais
uma mulher pode passar, o estupro, é, pelo menos em grande parte, possível para
o homem em virtude de sua força física, a qual permite a sujeição forçada. Na Política, Aristóteles (2002, p. 26)
reconhecia a força física como um instrumento de imposição do homem frente à mulher,
ao declarar que “a força, a justiça não devem ser, como pensava Sócrates, as
mesmas num homem e numa mulher. A força de um homem consiste em se impor; a de uma
mulher, em vencer a dificuldade de obedecer”.
Não é sem razão que,
teorizando sobre o animus — o
elemento masculino interior da mulher —, Jung (1964, p. 194) tenha pontuado que
a primeira imagem do homem que surge no inconsciente da mulher é o da “simples
personificação da força física”, e que nos mitos e nos contos de fadas essa
essência masculina é, muitas vezes, personificada como um “perigoso bando de
criminosos”. Spivak (2010, p. 110), em Pode
o subalterno falar?, assevera que o estupro era sancionado por exércitos
invasores como algo natural, traduzido na “posse genital exclusiva da mulher”,
e significava uma “celebração metonímica da aquisição territorial”.
Beauvoir, por sua vez, pontua
essa diferença de força física entre os sexos, impressionando com o seu relato
sobre as condições fisiológicas singulares e marcantes da mulher:
Às diferenciações
propriamente sexuais superpõem-se na mulher singularidades que são, mais ou
menos, consequências diretas delas. São ações hormonais que determinam seu
soma. Em média, ela é menor que o homem, menos pesada e seu esqueleto mais
frágil, a bacia mais larga, adaptada às funções da gestação e do parto; seu
tecido conjuntivo fixa as gorduras e suas formas são mais arredondadas que as
do homem; a atitude geral — morfologia, pele, sistema piloso etc. — é
nitidamente diferente nos dois sexos. Sua
força muscular é muito menor, mais ou menos dois terços da do homem [grifos
meus]; sua capacidade respiratória é inferior, os pulmões, a traqueia e a
laringe são menores; a diferença da laringe acarreta também a da voz. O peso
específico do sangue é menor, pois há menos fixação de hemoglobina; as mulheres
são, por conseguinte, menos robustas, mais predispostas à anemia (BEAUVOIR,
1970, p. 51).
É por meio dessa
diferença de força, posta aqui em termos de dois terços da força masculina, que
a violência, o “botou no chão” de Chuva
branca, toma vazão e se realiza. Vale explicar que Bourdieu (2012, p. 26) também
ressalta que um outro tipo de força entra em jogo, quando se faz “intervir o
dinheiro”, e que acaba reduzindo os corpos “ao estado de objetos e ao
sacrilégio que consiste em transgredir a lei segundo a qual o corpo (como o
sangue) não pode ser senão doado, em um ato de oferta inteiramente gratuito,
que supõe a suspensão da violência”.
À violência sexual, exposta
acima, acrescento a violência física e verbal, inferidas a partir do seguinte trecho:
“levei de volta pra casa, naquele arregaço pelo caminho, safanões em cima de
safanões, bravo no trato com a mulher” (JACOB, 1968, p. 163). Aqui, a agressão
de Luis Chato a Mariana ocorre em decorrência de sentimentos de ciúmes por
parte dele, quando, durante uma festa, ela teria dançado com um rapaz por mais
tempo que devia ou que ele mesmo considerava. Mariana foi trazida por ele
debaixo de puxões e de empurrões. Ele, todavia, comenta de suas aventuras com
Zizinha e com a filha do compadre Juvenal.
À luz ainda da
violência e da agressão física, impõe-se recorrer, uma vez mais, a Beauvoir
que, citando o Mitra-Varuna de
Dumézil, assinala que, “na Índia como em Roma, o poder viril afirma-se de duas
maneiras: em Varuna e Rômulo, nos Gandarvas e nas Lupercas esse poder é
agressão, rapto, desordem, hybris; então
a mulher se apresenta como um ser que é preciso raptar, violentar” (BEAUVOIR,
1970, p. 213). Consideremos também, embora bem longe de justificar a violência
e a agressão, que a virilidade, como pontua Bourdieu (2012, p. 65), precisa ser
“experimentada diante dos outros” e “validada pelos outros homens, em sua
verdade de violência real ou potencial”. No caso ocorrido durante a festa, falando
de um ponto especificamente androcêntrico, estavam em jogo sentimentos como a
honra e a vergonha, fazendo com que, na visão masculina de Luis Chato, a
virilidade precisasse ser mostrada e atestada. Essa necessidade da afirmação,
entretanto, “é também uma cilada e encontra sua contrapartida na tensão e
contensão permanentes, levadas por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o
dever de afirmar, em toda e qualquer circunstancia, sua virilidade” (BOURDIEU,
2012, p. 64).
Ao passar, agora, à
abordagem sobre o silenciamento da mulher no romance Chuva branca, acho conveniente dizer, de início, que argumentarei
em favor de uma ideia, tomada da Política,
e já citada acima no texto, que é a de que a mulher passa a ser admirada pelo
homem quando se envolve no silêncio ou é silenciada. A frase de Aristóteles à
qual me refiro, uma espécie de argumento ad
verecundiam, cita Górgias e diz:
“mais vale, como Górgias, estabelecer a lista das virtudes do que se deter em
semelhantes definições e imitar, no mais, a precisão do poeta que disse que ‘um
modesto silêncio é a honra da mulher, ao passo que não fica bem no homem’”
(ARISTÓTELES, 2002, p. 27).
Mariana,
boa companheira. Tem lá suas arengas de toda mulher, às vezes ciúmes. Passou a
zanga, é a mesma de sempre. Jeitosa nos afazeres de casa, no trato dos meninos,
mulher de topar todo serviço. Tem seus que fazer todo instante. Não tem
escolha, pesado ou leve dá de pegar serviço. Boa até demais aguentando meus
aborrecimentos, maior calma (JACOB, 1968, p. 89).
No trecho acima, à
maneira de Aristóteles, Luis Chato elogia a mulher envolta no silêncio. Atribui
a ela o fato de ser uma boa companheira, uma boa mãe e uma boa dona de casa.
Elogia-a por ajuda-lo no trabalho pesado, sendo “mulher de topar todo serviço”,
ou mesmo quase natural, para ela, o ocupar-se de papeis de gênero culturalmente
tidos como masculinos. Mas meu argumento é o de que a questão central, aqui, é
o silenciamento de Mariana, resignada a ser uma boa esposa, aguentando os
“aborrecimentos” de Luis Chato na “maior calma”. Mas, será mesmo natural ou
humano ser tão boazinha ou silenciada assim?
Como Aristóteles (2002,
p. 11) mesmo asseverou, “o homem é um animal cívico” e a “natureza concedeu
apenas a ele o dom da palavra”. Logo, homem e mulher são seres que falam. Isto
tanto é verdade que, como afirma Heidegger (2005, p. 16), “quando terminam de
falar [os seres humanos] deixam de existir”. Meu argumento, portanto, e tomando
por base esta ideia, é o de que é no mínimo estranho o elogio aristotélico
sobre o silêncio na mulher quando é ele mesmo quem afirma que o “comércio da
palavra é o laço de toda sociedade doméstica e civil” (ARISTÓTELES, 2002, p.
12) entre os seres humanos. A estranheza, entretanto, se dissipa quando fica
claro que a visão de mundo androcêntrica dos gregos considerava a mulher como
um homem imperfeito e, portanto, inferior no uso da palavra. Ou, mais ainda,
quando se entende que o elogio masculino sintetizado na máxima “um modesto
silêncio é a honra da mulher” pertence a uma estratégia de poder, que procura
fazer com que os dominados adotem, “sobre si mesmos, o próprio ponto de vista
dos dominantes” (BOURDIEU, 2012, p. 54).
Esse ponto de vista dos
dominantes, que exigia para si a pretensão de validade universal, advinha de
filósofos que “reflectiam com a mesma pureza das leis da física a igualdade dos
cidadãos plenos e a inferioridade das mulheres, das crianças e dos escravos”
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 7). Argumentei, em outro ensaio, que “o homem
tem, por vezes, o costume de admirar as mulheres por meio de características
que pertencem ao seu universo de mundo” (SOUZA, 2015a), negando, com isso, o
reconhecimento de valores que são biológica e culturalmente peculiares ao
universo feminino. Tal interesse em elogiar esse silenciamento lembra que a
ordem social, como assinala Bourdieu (2012, p. 18), parece funcionar “como uma
imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a
qual se alicerça”.
Escusado
dizer, como já bem mostrou Orlandi (1995, pp. 12, 13), que o silêncio não pode,
de todo, ser “relegado a uma posição secundária como excrescência, como ‘resto’
da linguagem [...]. O silêncio é assim a ‘respiração’ (o fôlego) da
significação; um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para
que o sentido faça sentido”. Vale dizer, todavia, que, no caso específico de
Mariana, não se trata desse silêncio, ou do silêncio metafísico dos budistas e
dos taoístas, por meio do qual se ascende ao “mais elevado e puro grau do ato
contemplativo”, em que se aprende “a abandonar a linguagem”, pois “o homem
santo, o iniciado, se afasta não somente das tentações da atividade mundana,
mas também da palavra” (STEINER, 1988, pp. 30, 31). Tampouco se trata do
silêncio como a “retórica do oprimido (a da resistência)”, também teorizado por
Orlandi (1995, p. 31).
Dito
isto, estou realmente inclinado a acreditar que estaria sendo tendenciosamente
unilateral se taxasse o com a “maior calma” de Mariana como uma espécie de
censura, uma “interdição da inscrição do sujeito em formações discursivas
determinadas” (ORLANDI, 1995, p. 107). Ou, talvez, não (?). Todavia, estaria
sendo irresponsável ou mesmo omisso se deixasse de apontar o elogio masculino
que salta em Chuva branca como um
gesto ou uma tentativa de ratificação da dominação masculina. Assim como fazia
parte do interesse da andreia grega
elogiar a mulher por seu silêncio e mantê-la distante do uso do logos, também interessava a Luis Chato
manter Mariana na “maior calma”, aguentando todos os seus “aborrecimentos”,
pois, elogiando-a, a manutenção da ordem estabelecida estava garantida. Viesse
ela a falar, clamando por equanimidade nos direitos conjugais, sua aventura com
Zizinha, uma das muitas infidelidades por ele cometidas, seria um dos primeiros
discursos que viriam a lume.
Considerações Finais
A
narrativa de Chuva branca é um
discurso sintomático: um monólogo interior de cunho masculino, sendo este um
dos principais motivos que, não somente permitiram a abordagem sobre a questão
de gênero em um romance tipicamente etnográfico, como, ainda, me impulsionaram
a esta pesquisa.
Nesta
abordagem sobre a questão de gênero, procurei mostrar como a mulher,
representada por Mariana, aparece no romance. Trabalhei com três imagens: a da
mulher como símbolo de sedução e de beleza, a da mulher como o
suposto sexo frágil e, baseado em termos beauvoirianos, a da mulher como o
princípio do “caos”. Por meio de cada uma destas imagens, meu objetivo foi
mostrar como o narrador de Chuva branca,
um típico habitante das comunidades rurais da Amazônia, enxergava e pensava a
mulher, à medida que, perdido, procurava pelo caminho que o traria de volta
para casa.
Esforcei-me por
relacionar esta representação feminina à especificidade de Mariana como uma
mulher habitante da Terceira Amazônia, um deserto em termos demográficos, um
meio inóspito e hostil e uma região onde a miséria é a tônica das condições
socioeconômicas predominantes. Utilizei-me da teoria intitulada Hierarquia de
Maslov para colocar que, para Mariana, essas condições externas poderiam
significar um outro filão de luta no que tange às questões de gênero. Meu
argumento central foi o de que, como uma mulher da Terceira Amazônia, Mariana
tinha que primeiramente lutar pelo preenchimento de necessidades fisiológicas
consideradas básicas, como a alimentação ou a segurança, antes de procurar
atender às superiores, respeitantes à sua feminilidade e à sua plena afirmação
como ser humano. “As pessoas não são motivadas a satisfazer as suas
necessidades superiores até que as inferiores sejam satisfeitas”, diz a
Hierarquia de Maslov.
Tratei, finalmente, de
mostrar como a dominação masculina, a violência e o silenciamento feminino
apareciam no romance. Argumentei que a dominação, em certo sentido, está ligada
ao que Marcuse chamou de “eros incontrolado” do homem, pois a história dele é a
história da repressão desse instinto. Foi nesse contexto que falei, também, da
violência contra a mulher, pois o estupro figura na narrativa por meio das
ações dos homens que espreitavam nos caminhos e nas trilhas à espera de uma
vítima, e a “botava no chão”, forçando o cometimento do ato sexual. Busquei,
por fim, uma frase de Aristóteles, citando Górgias, para argumentar o quanto é
comum o homem enaltecer a mulher que se envolve no silêncio, uma das formas de
ele negar-lhe o poder da palavra e manter a ordem social da dominação.
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Notas
[i] Termo cunhado por Djalma Batista
(2007, p. 114), para referir-se especificamente à “Amazônia rural”, ao lugar
onde estão inseridos os chamados “habitantes das vilas, povoados, ‘freguesias’,
aldeias, sítios, fazendas, seringais, castanhais, pontos de comércio e
‘colocações’”.
[ii] Por “monólogo interior” entendo
o que Proença Filho (2007, p. 52) chama de “técnica inventada pelo escritor
francês Edouard Dujardin [...], e que difere do monólogo tradicional, pois
reproduz pensamentos íntimos como vão surgindo do inconsciente sem nenhuma
preocupação com um encadeamento lógico: deixando fluir livremente as ideias e
sentimentos em frases diretas, com a sintaxe reduzida a um mínimo de recursos”.
[iii]
Chamo, aqui, de mulher
amazônica, assim como o seu correlato (a saber, o homem amazônico), aquela
habitante do espaço descrito por Djalma Batista ao conceituar a Terceira
Amazônia.
[iv]
Segundo
Abbagnano (2007, p. 19), “É assim que Locke denominou a argumentação que
consiste ‘em citar as opiniões de homens que por talento, doutrina, eminência,
poder ou algum outro motivo obteve fama e firmaram reputação na estima comum
com alguma espécie de autoridade’ (Ensaio, IV, 17, 19). É o apelo à
autoridade”.