DA QUESTÃO DE GÊNERO NO ROMANCE 'CHUVA BRANCA'


Jamescley Almeida de Souza
Mestrando em Letras (UFAM)


RESUMO:
O presente ensaio procura abordar alguns aspectos sobre a questão de gênero no romance Chuva branca. Como romance etnográfico, ele tem sido estudado principalmente como uma das portas de entrada para a sociedade e para a cultura da Terceira Amazônia. Aqui, todavia, explora-se o discurso de seu narrador, Luis Chato, para tentar mostrar como ele enxerga e pensa a mulher. Tenta-se saber, especificamente, que imagens da mulher, representada pela personagem Mariana, aparecem no romance e como essa representação se relaciona com a sua especificidade de mulher das comunidades rurais da Amazônia. Constitui objetivo da pesquisa, ainda, saber como aparecem, em Chuva branca, a dominação masculina, a violência contra a mulher e o seu silenciamento.
Palavras-chave: Chuva branca. Questão de gênero. Terceira Amazônia. Mulher amazônica.

ABSTRACT:
The present essay will approach some aspects about the gender question in the novel Chuva Branca. As an ethnographic novel, it has been studied chiefly as an entrance for the meeting with the society and with the culture from the Third Amazon. Here, however, it will be explored the Luis Chato’s discourses, its narrator, with the objective of trying to show how he sees and thinks about the woman.  It aims to know, specifically, what female images, represented by the character Mariana, appear in the novel and how this representation is related to her condition as a woman from the Third Amazon. It will look for knowing also how the male domination, the violence against woman and her silence appear in Chuva branca.
Keywords: Chuva branca. Gender question. Third Amazon. Amazonian woman.

Introdução

Escrito por Paulo Jacob, Chuva branca (1968) é um romance do tipo etnográfico que tem como uma das principais características apresentar-se como uma das portas de entrada para a sociedade e para a cultura da Terceira Amazônia[i]. Não seria excessivo dizer que ele dá mesmo testemunho daquelas palavras de Jouve (2002, p. 137), as quais invoco aqui, de que todo “texto literário ao mesmo tempo contesta e supõe uma cultura”. Chuva branca, pois, num certo sentido, se levanta como um desses repositórios dos valores socioculturais dominantes dessa Amazônia, sendo igualmente a partir desse ponto de vista que o romance jacobiano tem sido predominantemente estudado.
Este ensaio, por outro lado, abordará alguns aspectos sobre a questão de gênero que podem ser explanados a partir do romance. Procurarei mostrar que a narrativa de Chuva branca constitui-se predominantemente como um “monólogo interior”[ii] (SOUZA, 2015b, p. 114), cujo pensamento básico e simples, a partir disso, é que se trata de um monólogo masculino, em discurso tipicamente indireto, a saber, de um homem que fala do início ao fim da diegese, sem dar voz nem vez à mulher amazônica[iii]. Em meu ver, isso é sintomático — insisto no adjetivo: sintomático — e pode sinalizar para algumas questões que passo agora a levantar: o que esse narrador fala sobre a mulher e como ela aparece representada em seu discurso? Como essa representação se relaciona com a especificidade de sua condição como habitante da Terceira Amazônia? E como aparecem, no romance, a dominação masculina, a violência contra a mulher e o silenciamento?
Interessa-me, acima de tudo, tentar entender os aspectos da questão de gênero que se apresentam no romance Chuva branca, para cuja tarefa inicio com algumas considerações sobre a tipicidade do discurso da narrativa, passando, em seguida, aos objetivos propostos.

Chuva branca: um monólogo interior masculino
Confesso-me francamente provocado pela tipicidade do discurso de Chuva branca: um monólogo masculino, “do início ao fim” (LOURO, 2007, p. 77). Seu narrador é Luis Chato, um típico ribeirinho ou homem da Amazônia rural, que decide ir à caça e acaba se perdendo na floresta. A narrativa, a partir daí, é o desenrolar de um monólogo que cobre os quarenta dias passados na selva em busca do caminho de volta para casa.
Para mim, fica claro como Paulo Jacob se utiliza da mesma técnica narrativa inventada pelo escritor francês Edouard Dujardin e empregada por ele no romance Les lauriers sont coupés (1887). Nas palavras de Proença Filho (2007, p. 52), um excelente exemplo desta técnica “se encontra num dos mais famosos textos da literatura do Ocidente, o citado Ulisses, de James Joyce”, assim como “outro bom exemplo está no conto Monólogos de Tuquinha Batista, de Aníbal Machado”.
Uma das questões centrais, pode-se dizer, que se depreende dessa tipicidade do discurso de Chuva branca é que, justamente por ser um monólogo interior e, ipso facto, deixar fluir livremente as ideias conforme surgem do inconsciente, toda a ideologia do narrador é nele evidenciada: “é na língua que a ideologia se materializa” (ORLANDI, 2005, p. 38). Some-se a isso o fato de serem seus pensamentos, suas ideias e suas opiniões mais profundas que estão vindo à tona nesse monólogo, no qual é quase nulo o grau de reflexão sobre o que ele está dizendo e revelando. Como destaca Todorov (2006, p. 61), atrela-se à especificidade do monólogo interior a “dissecação de sua [do narrador] consciência”. Tal é a ligação do tipo de discurso empregado neste romance com as questões aqui levantadas, objeto de interesse deste ensaio.
Antes de concluir este tópico, uma coisa ainda é mister dizer. É sintomático que, em Chuva branca, em nenhum momento da narrativa a mulher amazônica, representada pela esposa de Luis Chato, fale e se expresse. Ela é nominada — Mariana —, aparece constantemente no imaginário e nas memórias de seu marido, mas a ela nunca é dada a palavra, gesto simbólico e que pode acenar para “a ideia sustentada pelo homem grego de que à mulher não cabia ‘sustentar querelas’” (SOUZA, 2015a). Ainda neste sentido, e também por último, é importante notar que Aristóteles chega a invocar um argumento do tipo ad verecundiam[iv] para ligar a mulher a esta negação ao uso do logos ou, ainda, ao suposto dever de estar em silêncio: “mais vale, como Górgias, estabelecer a lista das virtudes do que se deter em semelhantes definições e imitar, no mais, a precisão do poeta que disse que ‘um modesto silêncio é a honra da mulher, ao passo que não fica bem no homem’” (ARISTÓTELES, 2002, p. 27). Retomarei este argumento posteriormente, ao falar sobre o silenciamento.
Procurando não ser tendencioso ou excessivamente unilateral, devo dizer que somente em um único momento, situado à página 52, ela faz uso da palavra: “Mariana botou-se a arengar que era culpado. Vai logo matar teu mutum, que quero minha joia. Nessa reclamação foi dias. Mato tão diferente. Se estou indo na queda do sol, não tem errada, rumo do varadouro” (JACOB, 1968, p. 52). E mesmo assim, como se pode analisar, o uso é feito por meio de uma “heterogeneidade constitutiva” (MAINGUENEAU, 1997), não marcada linguisticamente, em discurso indireto, e que se entrelaça ao discurso masculino. Em meu ver, esse entrelaçamento de discursos trata-se de outro gesto simbólico do monólogo masculino de Chuva branca e remete claramente às palavras de Beauvoir (1970, pp. 11, 98): “o homem é pensável sem a mulher. Ela não, sem o homem [...]. O lugar da mulher na sociedade é sempre eles que estabelecem”. Ou, ainda, adotando as considerações de Butler (2003, p. 28), “as mulheres representam o sexo que não pode ser pensado” porque “a pessoa universal e o gênero masculino se fundem em um só gênero, definindo com isso, as mulheres nos termos do sexo deles e enaltecendo os homens como portadores de uma pessoalidade universal que transcende o corpo”. Ou mesmo Bourdieu (2012, p. 23): “o princípio masculino é tomado como a medida de todas as coisas”. Em direto: a mulher fala em Chuva Branca, uma única vez, mas pontuada pela fala do marido (!).
Um último ponto sobre este tópico, e que pode ser observado no episódio aludido acima, quando a ave de criação de Luis Chato engole uma joia de Mariana, e esta ordena que ele a mate, parece-me também expressamente sintomático a forma com que a narrativa rompe com a fala feminina, único momento em que ela figura em ação, e passa a divagar sobre coisas várias, assim como o “mato tão diferente” mirado na floresta.

De como a mulher aparece representada no monólogo de Luis Chato
Passo, agora, a destacar o que Luis Chato diz sobre a mulher e como ela aparece representada em seu monólogo. Minha ambição é enfatizar, neste tópico, a representação da mulher em Chuva branca a partir de três símbolos ou imagens que no livro aparecem: a mulher como símbolo de sedução e de beleza, a mulher como o suposto sexo frágil e, baseado em termos beauvoirianos, a mulher como o princípio do “caos” (BEAUVOIR, 1970).
Uma das primeiras imagens femininas que aparecem no romance Chuva branca é a da mulher como símbolo de sedução e de beleza, e que vem à luz no início da caçada, no momento em que o narrador avista o animal, uma anta, e comenta: “estirada na cama, não se levanta, dengosa como mulher. O homem que venha, faz-se de bonita. Espicha a cabeça, espera” (JACOB, 1968, p. 14).
A comparação realizada pelo narrador entre a anta e a fêmea da espécie humana, fato que pode ser encarado — com toda justiça — como sendo de tom pejorativo, ressalta, parece-me, a milenar sedução que os atrativos físicos da mulher têm despertado no homem. Nesta comparação, em particular, o encanto do homem pelos atrativos da besta chega quase a se aproximar de uma zoofilia, um interdito que, em princípio, em virtude da escassez de mulher no espaço amazônico, muito chegou a acontecer, como claramente revelam as ficções sobre o ciclo da borracha. Como ele próprio diz, no mesmo episódio, “se estiver deitada, espera o macho, no caso sou eu”.
Homero, para Carpeaux (2011, p. 159) o “maior dos poetas”, deu testemunho do poder sedutor feminino, em sua Odisseia, não somente para os gregos de sua época ou das gerações posteriores, mas ainda para os homens de toda a civilização ocidental e mesmo do mundo inteiro. No duodécimo canto de seu poema épico, ele insere o episódio em que Circe conta a Odisseu o que ele deve fazer para sobreviver aos encantos das sereias, não se lançando ao mar e à morte certa:

Pois bem; atende agora, e um deus na mente meu conselho te imprima. Hás de as sereias primeiro deparar, cuja harmonia adormenta e fascina os que as escutam: quem se apropinqua estulto, esposa e filhos não regozijará nos doces lares; que a vocal melodia o atrai às veigas, onde em cúmulo assentam-se de humanos ossos e podres carnes. Surde avante; as orelhas aos teus com cera tapes, ensurdeçam de todo [grifos meus]. Ouvi-las podes contanto que do mastro ao longo estejas de pés e mãos atado; e se, absorvido no prazer, ordenares que te soltem, liguem-te com mais força os companheiros (HOMERO, 2009, XII, vv. 26-40).

Por meio do conselho da deusa, Homero ultrapassa “as categorias conscientes do estilo ou da sintaxe” (ROGER, 2002, p. 99) e faz ressoar com grande impacto ainda hoje a verdade sobre a fraqueza masculina diante da sedução feminina (ou mesmo diante de uma fêmea quadrúpede, como acontece aqui com Luis Chato). Explorando o significado último do mito, o qual “tem a ver com os impulsos profundos de nossa psique” (PALMER, 2001, p. 40), Homero cristaliza a imagem feminina como símbolo de Daí ter sido necessário, para escapar, ele atender ao conselho de Circe, tapando os seus ouvidos e amarrando os seus marujos no barco.
Acho conveniente inserir ainda, aqui, um comentário sobre a referência que a deusa faz ao órgão da audição. Como podemos inferir do conselho de Circe, Odisseu podia mirar as sereias, e até mesmo ouvi-las, contanto que para esta última experiência estivesse amarrado ao mastro do navio. O poder letal das ninfas marinhas, com o qual elas atraíam os nautas para o fundo do mar, lugar onde já cumulavam “humanos ossos e podres carnes”, parecia estar, portanto, naquilo que chegava a eles pelos ouvidos: a “harmonia” e “a vocal melodia”.
A mesma voz maviosa, de poder letal, é também creditada, na mitologia amazônica, à mãe-d’água, a musa dos caboclos, capaz de levar os que se maravilham com o seu canto para o fundo dos rios. A questão central que procuro trazer com a inserção deste comentário sobre a audição é que esse aspecto do mito, imortalizado por Homero na Odisseia, cai diante de uma observação feita por Feuerbach, precursor da psicanálise, de que o ouvido é “o órgão do medo [...], o pai dos deuses [...], o sentido místico e supersticioso”, ao contrário dos demais sentidos, que “são órgãos da crítica e do ceticismo” (FEUERBACH, 1989, pp. 31, 32). Muito embora o rosto humano seja “antes de tudo o instrumento que serve para seduzir” (BACHELARD, 1997, p. 23), é o ouvido o sentido da divinização.
Na floresta, as lembranças de Luis Chato que remetem à mulher como símbolo de beleza ressoam o carpe diem horaciano, ligadas que estão à mocidade e ao “fogo” característico dessa idade: “Fica até bonito, igual sinal de beleza. Covinhas no rosto de mulher. Sorriso de cunhantã. Faz lembrar de festa, rapazinho novo, cachaça no bucho, um fogo danado, cocava as cunhantãs no sereno, se topava, capoeira com ela”.
Atinente à beleza feminina, na cultura grega, o mito de Pandora (gr. pan, todos, e dora, presente) comunica que a primeira mulher “foi feita no céu, e cada um dos deuses contribuiu com alguma coisa para aperfeiçoá-la. Vênus deu-lhe a beleza [grifos meus], Mercúrio, a persuasão, Apolo, a música” (BULFINCH, 2002, p. 20). Um ponto observado nesta citação, e que me permito comentar, é que percebe-se, aqui, a reunião de três elementos de fascínio — a beleza, a eloquência e a música — em um único sexo: a mulher. Não é sem razão que a mulher, como salienta Bourdieu (2012, p. 79), é constituída como “um ser-percebido, [em quem tudo] concorre para fazer da experiência feminina do corpo o limite da experiência universal do corpo-para-o-outro, incessantemente exposto à objetivação operada pelo olhar e pelo discurso dos outros”.
Em A água e os sonhos, Bachelard (1997, p. 18) recorre ao mito bíblico para discorrer sobre a beleza da mulher, e diz que a mulher está associada ao sonho, pois “os devaneios e os sonhos são, para certas almas, a matéria da beleza. Adão encontrou Eva ao sair de um sonho: por isso a mulher é tão bela”. E, concluindo as considerações acerca dessa representação feminina em Chuva branca, “belas mulheres” eram um dos “itens” para os quais Diderot (1979, p. 113) conclamava os homens a gastarem seu dinheiro: “E, diabos, em que desejais que se empregue o dinheiro, se não for para ter boa mesa, boa companhia, bons vinhos, belas mulheres?”.
Ao ser picado por um artrópode — o lacrau preto, um regionalismo para o escorpião —, Luis Chato revela outro traço de sua ideologia concernente à mulher. Ele a considera sentimental, frágil e que chora facilmente: “Logo lacrau preto, doença de gemer vinte e quatro horas seguidas. Tem macho de gritar, é vê mulher botando filho [...], um homem no gemido de fêmea safada, dengosa ao lado do macho” (JACOB, 1968, p. 175).
Ele critica o “macho” que, ao ser picado pelo artrópode, grita à maneira de uma “mulher botando filho” e fica vinte e quatro horas em um “gemido de fêmea safada”. Pondo isto em palavras mais claras, o homem, dado mais à razão, costuma recriminar a mulher e lançar para o campo daquilo que é supérfluo os valores que são inerentes ao sexo feminino. Sem sequer se permitir a uma olhadela nesses valores, passa ele a sobre-estimar unilateralmente as qualidades situadas no lado da virilidade, tais como “a força e resistência ao cansaço, a aptidão para superar o sofrimento físico e a dor moral” (CORBIN; COURTINE; VIGARELLO, 2013).
Essas qualidades têm, sem sombra de dúvida, a sua devida importância, mas o que me permito criticar, aqui, é a práxis que acaba por esquecer — ou preferir mesmo não saber — que o mito de Platão, registrado no Banquete, e que versa sobre os “três gêneros da humanidade” aponta para um possível mistério de serem os dois, homem e mulher, uma “téssera complementar” (PLATÃO, 1991, p. 58), possuindo, cada metade, uma parte extremamente importante de um todo. Tomando por base o mito platônico, é possível dizer que cada metade ou parte possui sua igualdade de peso e é equivalente. Talvez seja nesse sentido, parece-me, que, após milênios de dominação masculina, tem-se saudado — desde o século passado — a chegada de uma “sabedoria da noite” e de uma “feminização do mundo”, assim como atitudes que “permitem aprender a importância dos afetos e paixões” (MAFFESOLI, 2004, p. 178).
Tal chegada, entretanto, não tem sido de todo percebida e a importância dos “afetos e paixões” permanece relativamente desconhecida, ignorada e até mesmo recriminada no mundo masculino. Comentando sobre o amor como a lei da mulher na peça Antígona, Hegel (1997, p. 156) chega a dizer que tal lei é a lei da “substancialidade subjetiva, da intrinsecidade que ainda não alcançou a sua plena realização”. E considerando que algumas verdades permanecem invisíveis ou mesmo subterrâneas, é possível que o mundo masculino continue recriminando a sensibilidade e ignorando o postulado jungiano de que homem e mulher possuem as mesmas “essências” ou “personificações” (JUNG, 1964, 177), embora a mulher seja mais dada à anima (sentimentos), e o homem, mais dado ao animus (pensamento racional). Desta forma, a lei de que fala Hegel, em seu comentário sobre a Antígona, talvez encontre dificuldades para alcançar “a sua plena realização”.
Neste ponto, ainda tecendo considerações a respeito da representação da mulher como o suposto sexo frágil, como o faz Luis Chato, ao dizer que o homem picado de lacrau chora igualmente a uma “mulher botando filho”, tenho por interessante invocar o pensamento de Bourdieu quanto ao que significa a virilidade. Segundo o sociólogo francês, a virilidade é, grosso modo, um afastamento violento de tudo o que remete à categoria tipicamente feminina: “a virilidade, como se vê, é uma noção eminentemente relacional, construída diante dos outros homens, para os outros homens e contra a feminilidade [grifos meus], por uma espécie de medo do feminino, e construída primeiramente dentro de si mesmo” (BOURDIEU, 2012, p. 67). Uma construção “contra a feminilidade” é o que significa a crítica do homem amazônico ao comportamento diferenciado das mulheres diante das realidades e das experiências do mundo.
Para concluir o comentário sobre essa imagem, invoco Alexandre Dumas, citado por Bachelard, sobre como respondia à sua mãe quando esta o pegava chorando e perguntava-lhe: “— Por que é que Dumas está chorando? — Dumas está chorando, porque Dumas tem lágrimas, respondia o menino de seis anos” (BACHELARD, 1978, p. 208).
Não é sem razão que, em Chuva branca, também apareça a imagem da mulher como o caos, como agora passo a analisar.

Se calhar foi o bode da mulher que me empanemou. Deve de estar na lua. Se tivesse dito, não vinha. E ela sabe disso, por que não me disse? Jogar essa merda de cartucho fora. [...] Culpo Mariana por essa desgraça de panemice. Sabe bem que tenho cisma de mariscar, caçar, quando está na lua dela. Por que não disse? Vergonha não é. Das vezes que quero, a desculpa é essa. Por que escondeu, se antes me disse, não vinha há mais de mês. Tomou chá de maria-mole, a modo arriar (JACOB, 1968, pp. 46, 49).

A ideia diretriz para o meu comentário sobre essa representação da mulher figurada no romance é tomada de Beauvoir, que, em O segundo sexo: fatos e mitos, insere uma citação atribuída a Pitágoras, a qual diz: “há um principio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher” (BEAUVOIR, 1970, p. 6). Mas a mesma ideia, ou mesmo um mito, também pode ser buscada, à mancheia, em diversas culturas, como a grega, onde o Caos é o lugar de onde saem praticamente todos os seres criados: “uma informe e confusa massa, mero peso morto, no qual, contudo, jaziam latentes as sementes das coisas” (BULFINCH, 2002, p. 19). Ou, ainda, no mito judaico-cristão, o qual relata que a porção seca, e bem assim quase todas as coisas, veio a existir a partir das “trevas sobre a face do abismo”, como registra o livro de Gênesis.
Parece-me ir nesse mesmo sentido, e manifestando a mesma ideologia materializada na citação atribuída a Pitágoras, o comportamento de Luis Chato em responsabilizar Mariana, a sua mulher, pelo seu insucesso na caçada. Sua convicção inveterada é a de que ele teria errado o tiro na anta porque a sua mulher estava de “bode” — regionalismo para a menstruação — e não teria lhe avisado. Como ele mesmo assevera, “se calhar foi o bode da mulher que me empanemou”.
Antes de abordar, com mais vagar, a ideia diretriz sobre a mulher como representação do caos, proposta para este tópico, permito-me registrar, com este excerto, um traço característico da religiosidade amazônica, que é a crença na panema. Araújo (2003, p. 483), um dos maiores nomes da sociologia na Amazônia, pontua que o homem da região é “imensamente crédulo em crendices e magias, em ideias de demônios, de azar, de maldição, de desgraça, em animais agourentos, em plantas misteriosas e em comportamentos azarentos”. E a ficção de Paulo Jacob é especialmente verossímil, neste ponto, como pode ser atestada por trabalhos realizados no campo antropologia. Para citar apenas um deles, Eduardo Galvão, o primeiro brasileiro a receber um título de doutorado pela Universidade de Nova York, por meio do trabalho publicado sob o título Santos e visagens, diz ser a panema uma “força mágica que incapacita o indivíduo para a realização de suas empreitadas, cuja fonte se atribui a mulheres grávidas ou menstruadas” (GALVÃO, 1955, p. 5).
Ainda neste nível, que trata da representação da mulher como o princípio do caos, Beauvoir exibe, no primeiro volume de O segundo sexo, o registro antropológico de várias culturas que atribuem ao mênstruo certos poderes causadores de danos ao homem:

Certos povos imaginam que há, na vagina, uma serpente que morderia o esposo no momento da ruptura do hímen; atribuem-se virtudes terrificantes ao sangue vaginal, aparentado ao sangue menstrual e suscetível, ele também, de quebrar o vigor do homem. Através dessas imagens, exprime-se a ideia de que o princípio feminino tem mais força e comporta mais ameaças estando intato (BEAUVOIR, 1970, p. 194).

Dado este fato, em outros povos, como aqueles da costa de Malabar, para não correrem o risco de se exporem a “forças maléficas”, os homens teriam terceirizado o serviço referente ao rompimento do hímen:

Na costa de Malabar os brâmanes encarregam-se dessa operação que executam, ao que se diz, sem alegria e pela qual exigem salários elevadíssimos. Sabe-se que todo objeto sagrado é perigoso para o profano, mas os indivíduos consagrados podem manejá-lo sem correr risco; compreende-se, portanto, que os sacerdotes e os chefes sejam capazes de domar as forças maléficas contra as quais o esposo precisa proteger-se (BEAUVOIR, 1970, p. 195).

Ao analisar o excerto colocado acima, não poderia deixar de mencionar, igualmente, a minha impressão de ver ecoado, nas palavras de Luis Chato, o discurso masculino milenar e edênico. Da mesma forma com que o homem atribuiu à mulher uma suposta queda de um estado de bem-aventurança, Mariana é responsabilizada pelo seu marido pelas desventuras sofridas durante uma caçada. E da mesma maneira que Adão teria culpado Eva, quando por Deus foi interrogado, Luis Chato reverbera: “culpo Mariana por essa desgraça de panemice”.
Na cultura grega, o mito de Pandora atribui à mulher a entrada no mundo de “uma multidão de pragas que atingiram o desgraçado homem, tais como a gota, o reumatismo e a eólica, para o corpo, e a inveja, o despeito e a vingança, para o espírito” (BULFINCH, 2002, p. 22). Saliento também que, na Oréstia, de Ésquilo, considerada por Lesky (1996, p. 102) como “uma das maiores criações da arte humana [...], um exemplo de magnificência superior a qualquer medida”, os anciãos gregos que formam o coro em Agamêmnon decidem fazer de Helena não só o estopim de todo o conflito que foi a guerra de Troia, como ainda responsabilizá-la por todo o mal que sobreveio aos argivos, ao declamarem: “Quem terá dado nome tão correto a Helena bela, essa esposa de espadas, envolta em desavenças, dor e ruínas, nascida para destruir armadas e perdição dos homens e cidades [...] Ah! Louca Helena! Foste a causa única da destruição de muitas, muitas vidas?” (ÉSQUILO, 2004).
Neste nível, é significativo, em algumas culturas, o costume de tentar abolir os laços e os vínculos com a mãe (símbolo da terra, da umidade, da natureza e da noite) ou, ainda, de buscar negar a parte feminina do masculino, como vai registrar Bourdieu. De acordo com o sociólogo francês, esta tentativa se manifesta, por exemplo, “com o primeiro corte de cabelo do menino [...]. Daí a importância do primeiro corte de cabelos, que está, igualmente, ligado ao fato de que a cabeleira, feminina, é um dos elos simbólicos que unem o menino ao mundo materno” (BOURDIE, 2012, p. 36). Evoco, aqui, esta citação porque tal cultura, parece-me, aponta para o mito que costuma representar a mulher como sendo o princípio do caos, sendo também esta a razão que leva o homem, o suposto símbolo da ordem e da luz, a buscar a separação dos dois princípios.
Em Ecce homo, livro no qual Nietzsche explica o “porque sou tão sábio” e o “porque escrevo tão bons livros”, essa mesma imagem da mulher — princípio do caos — pode ser vista na declaração do filósofo alemão no momento em que fala de sua mãe e de sua irmã. Nietzsche (2008, p. 15) chega a dizer que o tratamento que recebe por parte de suas familiares infundem nele “um horror indizível: está aqui em ação uma perfeita máquina infernal, com segurança infalível sobre o instante em que com crueldade me podem ferir nos meus instantes mais altos”. Percebe-se, aqui, que a “categoria do Outro” (BEAUVOIR, 1970, p. 11), preenchida pelas figuras da mãe e da irmã, significavam, para ele, um perigo à sua ambição de se elevar “por cima dos milênios”, respirar a “atmosfera das alturas” e entregar à humanidade “a realidade integral do homem” (NIETZSCHE, 2008).

Da representação da mulher amazônica no romance e sua relação com a especificidade de sua condição
Meu objetivo, com este tópico, é tentar mostrar como a representação feminina que aparece em Chuva branca se relaciona com a especificidade das condições socioeconômicas e espaciais nas quais vive a mulher amazônica e que marcam a região. Procurarei destacar, especificamente, que essas condições são responsáveis não somente por manter o ser humano que nele está presente preso a uma tônica social marcada pela miséria, como ainda chegam a formar um segundo filão de luta, por parte da mulher, no que tange às questões relacionadas ao gênero. Dito de outra maneira, é possível dizer que antes de buscar a satisfação de suas necessidades superiores, a saber, a sua afirmação e o seu pleno desenvolvimento como mulher, a mulher amazônica precisa lutar primeiramente pelo preenchimento de necessidades consideradas inferiores, tais como a sobrevivência, a alimentação ou mesmo a segurança, impedindo a busca por aquelas.
O excerto que segue abaixo ajuda a revelar como as condições socioeconômicas, auxiliadas pela hostilidade de um espaço que ainda não foi totalmente dominado pelo ser humano, marcam a identidade da mulher amazônica:

A mulher, então, essa nem se fala. É aquele langanho de seca, boca chupada, feinha. Idade, aperturas. Quando moça até que era bonita, cobiçada. Mas tão boa. Ajuda na limpa da roça, na derrubada, serviço de homem. Ninguém igual pra fazer farinhada. Pega certo no rolo, dá conta da urupema, sustenta de rijo o remo na torração. Faz uma coisa e outra, o bicho no trabalho. Ainda tem lá os afazeres dela de casa. Os meninos ao lado, no adjutório (JACOB, 1968, p. 20).

É possível ter, por meio do discurso de Luis Chato, uma noção realista da humana conditio da mulher amazônica, representada, aqui, por Mariana. Após anos de casados, o ribeirinho olha para a sua esposa e observa nela o definhamento fisiológico precoce em virtude das duras condições existenciais infundidas pelo espaço amazônico: “é aquele langanho de seca, boca chupada, feinha. Idade, aperturas”, é o quadro que ele faz da companheira.
Em seu ensaio, no qual estudou a significação social da Amazônia em Chuva branca, Louro (2007) observa como o narrador compara as mulheres da cidade, um “mulherão rosado” e “dentes branquinhos” com as mulheres das comunidades rurais da região. A vida até colabora, presenteando com o vigor físico e com a graça tão peculiares à mocidade, como é narrado, mas o clima inóspito e hostil, assim como as condições sociais precárias logo deixam as suas marcas.
A vida em “aperturas” parece ser, na Amazônia, a tônica e a síntese social. Inúmeros autores, três dos quais escolho citar aqui, não só registram como denunciam esse traço do viver amazônico. Djalma Batista (2007, p. 115) destaca que, nesta Amazônia, “a vida, essa continua na mesma primitividade”, enquanto que Veríssimo (1970, p. 70), em Estudos amazônicos, chega a falar de uma “profunda miséria do triste viver amazônico”. A mesma tônica social foi notada por Agassiz e Agassiz (1975) em sua viagem pela região durante os anos de 1865 e 1866, ressaltando a “incúria” e a “miséria” das habitações da gente que nela habitava.
Mostrei, acima no texto, e em linhas gerais, como relaciono a representação da mulher vista em Chuva branca à especificidade de sua condição. Passo, agora, a utilizar o conceito que ficou conhecido como a Hierarquia de Maslov (1970 apud DAVIS, 2001), que trata da satisfação das necessidades, para tentar explicar como grande parte da realidade vivida pela habitante da Amazônia tem a ver com esse modelo de teoria. A ideia simples e básica defendida por ela é que “as pessoas não são motivadas a satisfazer as suas necessidades superiores até que as inferiores sejam satisfeitas” (MASLOV, 1970 apud DAVIS, 2001). Meu argumento é o de que é neste ponto que o conceito desenvolvido por Maslov se relaciona com este tópico, pois, aqui, o espaço é um problema.
E um ensaio sobre Chuva branca, Souza e Louro realizam um comentário sobre a hostilidade desse meio natural, em especial sobre como ele se apresenta como o antagonista do homem, ao mesmo tempo em que lhe acolhe:

Tudo parece desafiá-lo: o clima, a vida cercada pelas matas, as grandes águas, o chão pobre, as doenças endêmicas, as bestas-feras, a distância de tudo, a subnutrição, o latifúndio predominante. Tudo se apresenta como antagonista, o que o faz exprimir constantemente o sentimento de miséria e condições paupérrimas de vida (LOURO; SOUZA, 2014, p. 141).

É neste sentido que, tomando por base o conceito da Hierarquia de Maslov, é possível entender a dificuldade da mulher amazônica em buscar por aspectos humanos superiores se ela vive, em prática, para satisfazer as suas necessidades inferiores. Encravada nas selvas e nos rios, ela buscará por comida e por segurança, por exemplo, antes de procurar se importar com o que as pessoas pensam sobre ela. Por mais importantes e absolutos que sejam, valores como o amor-próprio, a sensação de domínio, de aceitação e de realização, neste caso, precisam vir depois e só duramente são conquistados.
Em um episódio, no roçado, estando presentes Mariana, Luis Chato e um compadre, as duras condições sociais em que vivem vêm à luz. Mariana não está vestindo a pequena calça, por não tê-la há já algum tempo, sofrendo a exposição de sua genitália:

A mulher quase nua, com dois vestidos, calça não usa sei lá quanto tempo. Quando saco de açúcar se comprava no barato, tinha umas delas. Faz vergonha à gente. Naquele dia no roçado, desprevenida, compadre Juvenal na frente. Virou até a cara. Fiquei com tanta raiva, só pensar que tinha visto o lá dela. Juvenal foi decente, tirou os olhos de riba (JACOB, 1968, p. 54).

Louro (2007, p. 78) vê, aqui neste excerto, com Mariana de pernas abertas, um simbolismo para a Amazônia, uma região que “é livre e dá acesso a quem quer chegar e ver, entrar e levar, é a denúncia de biopirataria e outros artifícios de que fomos e somos vítimas”. Até mesmo sem roupa íntima, Mariana é o retrato da miséria social reinante da Terceira Amazônia.
Em outro trecho, Mariana sofre zombaria por parte de uma mulher “ricaça”, que faz “troça dos trajes da pobre. Olhou bem nos botões da grinalda, botou-se a rir, riu a valer, na cara da gente. Mariana encabulada, chorou de vergonha” (JACOB, 1968, p. 24). Fica claro o quanto Mariana sofre para se firmar como mulher em áreas onde, via de regra, a categoria feminina costuma não somente se destacar como gosta também de se sobressair, como o cuidado com os trajes, com os atavios, com a beleza etc. Ou mesmo com relação a “maneiras de usar o corpo, profundamente associadas à atitude moral e à contenção que convêm às mulheres” (BOURDIEU, 2012, p. 40), como o cuidado feminino em procurar manter as pernas fechadas quando se sentam ou quando se abaixam. As palavras de Spivak (2010, p. 85), aqui, fazem sentido: “evidentemente, se você é pobre, negra e mulher, está envolvida de três maneiras”.
Uma coisa ainda é mister dizer sobre essa especificidade relacionada ao meio natural, e que está ligada aos papeis de gênero culturalmente atribuídos ao homem e à mulher. Em razão das características do meio amazônico, considerado um deserto em termos demográficos, há frequentemente uma sobreposição ou troca de papeis de gênero dentro de um casamento, como pôde ser visto no texto acima. Mariana “ajuda na limpa da roça, na derrubada, serviço de homem. Ninguém igual pra fazer farinhada”, sendo admirada pelo marido em razão desse fato. Em termos beauvoirianos, o homem pode não reconhecer a mulher como “um semelhante” se ela não partilhar da “sua maneira de trabalhar e de pensar”, continuando “escravizada aos mistérios da vida” (BEAUVOIR, 1970, p. 98). Ele, por outro lado, “dispensa justificação” e a sua “visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la” (BOURDIEU, 2002, p. 18). Neste particular, sendo “o bicho no trabalho”, é compreensível que Mariana se prive de preencher as suas necessidades superiores atinentes à sua feminilidade em favor do preenchimento daquelas mais básicas.

De como aparecem, no romance, a dominação masculina, a violência contra a mulher e o seu silenciamento
A dominação masculina de que falo neste tópico encontra seus pressupostos teóricos no trabalho de Bourdieu, em especial, aquele intitulado A dominação masculina, e também em outros teóricos. Quando abordo a violência sexual contra a mulher, tal como ela aparece em Chuva branca, invoco o conceito de “eros incontrolado”, de Marcuse (1975), assim como algumas ideias freudianas sobre a sexualidade. Tento, por último, sustentar a ideia de que é comum o homem enaltecer o silêncio como um adorno que deverá figurar em seu tipo ideal de mulher.
A partir do excerto colocado abaixo, assim como de outros posteriormente, vou deter-me um pouco em cada um destes pontos.

Dizia que não queria. Não era moça disso, namorar namorava. Coisa feia, fosse com outra. Insistia, falava que era moça virgem. Dessas nunca não tinha feito com ninguém. Sabia que não era, a rapaziada contava. Jogava no chão, reclamava deixando, gostava das beneficiadas, picada aberta. De iludição de moça mesmo, disso nunca fui. Bancar mateiro, furar mata virgem. Coisas de rapaz, lembrança da saudade [...]. No causo da festa, acho que disso não houve. Estava de principio de intenção, cortei a tempo. Levei de volta pra casa, naquele arregaço pelo caminho, safanões em cima de safanões, brabo no trato com a mulher (JACOB, 1968, p 39, 163).

Neste excerto de Chuva branca, fica clara a violência exibida pelo homem contra a mulher, ligada ao seu desejo sexual, ao que Marcuse (1975) chamará de “eros incontrolado” do homem, ou ao que Bataille (1987, p. 20) colocará como “um dos aspectos da vida interior do homem”.
Este “eros” o leva a coagi-la, a violenta-la, em busca de satisfazer sua libido, conceituada por Freud (1996, p. 133) como “uma força quantitativamente variável que poderia medir os processos e transformações ocorrentes no âmbito da excitação sexual”. Luis Chato conta que costumava jogar a moça no chão e a forçava a fazer sexo com ele, principalmente quando sabia, em conversa com a “rapaziada”, que a jovem já não era mais “moça virgem”. E que gostava mesmo daquelas que já tinham tido experiência sexual, chamadas aqui por ele de “beneficiadas”, pois nunca não lhe ocorria de ter “iludição” por “furar mata virgem” e de “bancar o mateiro”. Em termos freudianos, “que a crueldade e a pulsão sexual estão intimamente correlacionadas é-nos ensinado, acima de qualquer dúvida, pela história da civilização humana” (FREUD, 1996, p. 98). O ato sexual, em si, lembra Bourdieu (2012, p. 29), pode significar “dominar”, “abusar” e enganar”, de modo que “resistir à sedução é não se deixar enganar, não se deixar ‘possuir’”.
Ao buscar o “conceito de homem que emerge da teoria freudiana”, Marcuse (1975, p. 32) reconhece, com o pai da Psicanálise, que “a história do homem é a história da sua repressão”. O prazer, declara Foucault (1988, p. 45), “se difunde através do poder cerceador e este fixa o prazer que acaba de desvendar”. Essa coação é, em certo nível, necessária pois é ela a própria precondição do progresso:

se tivessem liberdade de perseguir seus objetivos naturais, os instintos básicos do homem seriam incompatíveis com toda a associação e preservação duradoura: destruiriam até aquilo a que se unem ou em que se conjugam. O Eros incontrolado é tão funesto quanto a sua réplica fatal, o instinto de morte. Sua força destrutiva deriva do fato deles lutarem por uma gratificação que a cultura não pode consentir: a gratificação como tal e como um fim em si mesma, a qualquer momento. Portanto, os instintos têm de ser desviados de seus objetivos, inibidos em seus anseios. A civilização começa quando o objetivo primário isto é, a satisfação integral de necessidades é abandonado (MARCUSE, 1975, p. 33).

No caso da mulher amazônica, em particular, é possível dizer que esse eros incontrolado masculino encontra, na Terceira Amazônia, seu ambiente ideal: um meio não dominado pelo homem em sua totalidade e um deserto em termos demográficos e em termos de presença feminina. Meu argumento é que, agregados, esses fatos ajudam a explicar, embora absolutamente não justifiquem, a ousadia masculina atinente à violência sexual contra a mulher retrata no romance.
Luis Chato conta mais:

Menina nova [Zizinha], pensei que não era mais nada, tinham me dito, destaboquei a bichinha. Jitinho ainda, pelos não tinha, nem moça feita era. Guardou segredo até hoje. Passado tempo casou-se. O marido bancou estopa de calafeto, pensava ser o primeiro a conhecer a menina. Se depois toda a rapaziada avançou, cada um tirando o seu. Rapaz daqui é assim, sabendo, espera oportunidade. Lugar onde não tem gente. Se põe de espera onde costuma passar, no mato próximo de casa, caminho do cagador, do porto, do roçado. Não canta nem nada. Botou no chão, faz o serviço (JACOB, 1968, p. 88).

Gostaria ainda, à luz do uso da força física masculina que acompanha a violência sexual contra a mulher, de evocar algumas considerações sobre as diferenças fisiológicas entre homens e mulheres e que são atinentes a cada sexo. Um dos maiores pesadelos pelos quais uma mulher pode passar, o estupro, é, pelo menos em grande parte, possível para o homem em virtude de sua força física, a qual permite a sujeição forçada. Na Política, Aristóteles (2002, p. 26) reconhecia a força física como um instrumento de imposição do homem frente à mulher, ao declarar que “a força, a justiça não devem ser, como pensava Sócrates, as mesmas num homem e numa mulher. A força de um homem consiste em se impor; a de uma mulher, em vencer a dificuldade de obedecer”.
Não é sem razão que, teorizando sobre o animus — o elemento masculino interior da mulher —, Jung (1964, p. 194) tenha pontuado que a primeira imagem do homem que surge no inconsciente da mulher é o da “simples personificação da força física”, e que nos mitos e nos contos de fadas essa essência masculina é, muitas vezes, personificada como um “perigoso bando de criminosos”. Spivak (2010, p. 110), em Pode o subalterno falar?, assevera que o estupro era sancionado por exércitos invasores como algo natural, traduzido na “posse genital exclusiva da mulher”, e significava uma “celebração metonímica da aquisição territorial”.
Beauvoir, por sua vez, pontua essa diferença de força física entre os sexos, impressionando com o seu relato sobre as condições fisiológicas singulares e marcantes da mulher:

Às diferenciações propriamente sexuais superpõem-se na mulher singularidades que são, mais ou menos, consequências diretas delas. São ações hormonais que determinam seu soma. Em média, ela é menor que o homem, menos pesada e seu esqueleto mais frágil, a bacia mais larga, adaptada às funções da gestação e do parto; seu tecido conjuntivo fixa as gorduras e suas formas são mais arredondadas que as do homem; a atitude geral — morfologia, pele, sistema piloso etc. — é nitidamente diferente nos dois sexos. Sua força muscular é muito menor, mais ou menos dois terços da do homem [grifos meus]; sua capacidade respiratória é inferior, os pulmões, a traqueia e a laringe são menores; a diferença da laringe acarreta também a da voz. O peso específico do sangue é menor, pois há menos fixação de hemoglobina; as mulheres são, por conseguinte, menos robustas, mais predispostas à anemia (BEAUVOIR, 1970, p. 51).

É por meio dessa diferença de força, posta aqui em termos de dois terços da força masculina, que a violência, o “botou no chão” de Chuva branca, toma vazão e se realiza. Vale explicar que Bourdieu (2012, p. 26) também ressalta que um outro tipo de força entra em jogo, quando se faz “intervir o dinheiro”, e que acaba reduzindo os corpos “ao estado de objetos e ao sacrilégio que consiste em transgredir a lei segundo a qual o corpo (como o sangue) não pode ser senão doado, em um ato de oferta inteiramente gratuito, que supõe a suspensão da violência”.
À violência sexual, exposta acima, acrescento a violência física e verbal, inferidas a partir do seguinte trecho: “levei de volta pra casa, naquele arregaço pelo caminho, safanões em cima de safanões, bravo no trato com a mulher” (JACOB, 1968, p. 163). Aqui, a agressão de Luis Chato a Mariana ocorre em decorrência de sentimentos de ciúmes por parte dele, quando, durante uma festa, ela teria dançado com um rapaz por mais tempo que devia ou que ele mesmo considerava. Mariana foi trazida por ele debaixo de puxões e de empurrões. Ele, todavia, comenta de suas aventuras com Zizinha e com a filha do compadre Juvenal.
À luz ainda da violência e da agressão física, impõe-se recorrer, uma vez mais, a Beauvoir que, citando o Mitra-Varuna de Dumézil, assinala que, “na Índia como em Roma, o poder viril afirma-se de duas maneiras: em Varuna e Rômulo, nos Gandarvas e nas Lupercas esse poder é agressão, rapto, desordem, hybris; então a mulher se apresenta como um ser que é preciso raptar, violentar” (BEAUVOIR, 1970, p. 213). Consideremos também, embora bem longe de justificar a violência e a agressão, que a virilidade, como pontua Bourdieu (2012, p. 65), precisa ser “experimentada diante dos outros” e “validada pelos outros homens, em sua verdade de violência real ou potencial”. No caso ocorrido durante a festa, falando de um ponto especificamente androcêntrico, estavam em jogo sentimentos como a honra e a vergonha, fazendo com que, na visão masculina de Luis Chato, a virilidade precisasse ser mostrada e atestada. Essa necessidade da afirmação, entretanto, “é também uma cilada e encontra sua contrapartida na tensão e contensão permanentes, levadas por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstancia, sua virilidade” (BOURDIEU, 2012, p. 64).
Ao passar, agora, à abordagem sobre o silenciamento da mulher no romance Chuva branca, acho conveniente dizer, de início, que argumentarei em favor de uma ideia, tomada da Política, e já citada acima no texto, que é a de que a mulher passa a ser admirada pelo homem quando se envolve no silêncio ou é silenciada. A frase de Aristóteles à qual me refiro, uma espécie de argumento ad verecundiam, cita Górgias e diz: “mais vale, como Górgias, estabelecer a lista das virtudes do que se deter em semelhantes definições e imitar, no mais, a precisão do poeta que disse que ‘um modesto silêncio é a honra da mulher, ao passo que não fica bem no homem’” (ARISTÓTELES, 2002, p. 27).

Mariana, boa companheira. Tem lá suas arengas de toda mulher, às vezes ciúmes. Passou a zanga, é a mesma de sempre. Jeitosa nos afazeres de casa, no trato dos meninos, mulher de topar todo serviço. Tem seus que fazer todo instante. Não tem escolha, pesado ou leve dá de pegar serviço. Boa até demais aguentando meus aborrecimentos, maior calma (JACOB, 1968, p. 89).

No trecho acima, à maneira de Aristóteles, Luis Chato elogia a mulher envolta no silêncio. Atribui a ela o fato de ser uma boa companheira, uma boa mãe e uma boa dona de casa. Elogia-a por ajuda-lo no trabalho pesado, sendo “mulher de topar todo serviço”, ou mesmo quase natural, para ela, o ocupar-se de papeis de gênero culturalmente tidos como masculinos. Mas meu argumento é o de que a questão central, aqui, é o silenciamento de Mariana, resignada a ser uma boa esposa, aguentando os “aborrecimentos” de Luis Chato na “maior calma”. Mas, será mesmo natural ou humano ser tão boazinha ou silenciada assim?
Como Aristóteles (2002, p. 11) mesmo asseverou, “o homem é um animal cívico” e a “natureza concedeu apenas a ele o dom da palavra”. Logo, homem e mulher são seres que falam. Isto tanto é verdade que, como afirma Heidegger (2005, p. 16), “quando terminam de falar [os seres humanos] deixam de existir”. Meu argumento, portanto, e tomando por base esta ideia, é o de que é no mínimo estranho o elogio aristotélico sobre o silêncio na mulher quando é ele mesmo quem afirma que o “comércio da palavra é o laço de toda sociedade doméstica e civil” (ARISTÓTELES, 2002, p. 12) entre os seres humanos. A estranheza, entretanto, se dissipa quando fica claro que a visão de mundo androcêntrica dos gregos considerava a mulher como um homem imperfeito e, portanto, inferior no uso da palavra. Ou, mais ainda, quando se entende que o elogio masculino sintetizado na máxima “um modesto silêncio é a honra da mulher” pertence a uma estratégia de poder, que procura fazer com que os dominados adotem, “sobre si mesmos, o próprio ponto de vista dos dominantes” (BOURDIEU, 2012, p. 54).
Esse ponto de vista dos dominantes, que exigia para si a pretensão de validade universal, advinha de filósofos que “reflectiam com a mesma pureza das leis da física a igualdade dos cidadãos plenos e a inferioridade das mulheres, das crianças e dos escravos” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 7). Argumentei, em outro ensaio, que “o homem tem, por vezes, o costume de admirar as mulheres por meio de características que pertencem ao seu universo de mundo” (SOUZA, 2015a), negando, com isso, o reconhecimento de valores que são biológica e culturalmente peculiares ao universo feminino. Tal interesse em elogiar esse silenciamento lembra que a ordem social, como assinala Bourdieu (2012, p. 18), parece funcionar “como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça”.
Escusado dizer, como já bem mostrou Orlandi (1995, pp. 12, 13), que o silêncio não pode, de todo, ser “relegado a uma posição secundária como excrescência, como ‘resto’ da linguagem [...]. O silêncio é assim a ‘respiração’ (o fôlego) da significação; um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido”. Vale dizer, todavia, que, no caso específico de Mariana, não se trata desse silêncio, ou do silêncio metafísico dos budistas e dos taoístas, por meio do qual se ascende ao “mais elevado e puro grau do ato contemplativo”, em que se aprende “a abandonar a linguagem”, pois “o homem santo, o iniciado, se afasta não somente das tentações da atividade mundana, mas também da palavra” (STEINER, 1988, pp. 30, 31). Tampouco se trata do silêncio como a “retórica do oprimido (a da resistência)”, também teorizado por Orlandi (1995, p. 31).
Dito isto, estou realmente inclinado a acreditar que estaria sendo tendenciosamente unilateral se taxasse o com a “maior calma” de Mariana como uma espécie de censura, uma “interdição da inscrição do sujeito em formações discursivas determinadas” (ORLANDI, 1995, p. 107). Ou, talvez, não (?). Todavia, estaria sendo irresponsável ou mesmo omisso se deixasse de apontar o elogio masculino que salta em Chuva branca como um gesto ou uma tentativa de ratificação da dominação masculina. Assim como fazia parte do interesse da andreia grega elogiar a mulher por seu silêncio e mantê-la distante do uso do logos, também interessava a Luis Chato manter Mariana na “maior calma”, aguentando todos os seus “aborrecimentos”, pois, elogiando-a, a manutenção da ordem estabelecida estava garantida. Viesse ela a falar, clamando por equanimidade nos direitos conjugais, sua aventura com Zizinha, uma das muitas infidelidades por ele cometidas, seria um dos primeiros discursos que viriam a lume.

Considerações Finais
A narrativa de Chuva branca é um discurso sintomático: um monólogo interior de cunho masculino, sendo este um dos principais motivos que, não somente permitiram a abordagem sobre a questão de gênero em um romance tipicamente etnográfico, como, ainda, me impulsionaram a esta pesquisa.
Nesta abordagem sobre a questão de gênero, procurei mostrar como a mulher, representada por Mariana, aparece no romance. Trabalhei com três imagens: a da mulher como símbolo de sedução e de beleza, a da mulher como o suposto sexo frágil e, baseado em termos beauvoirianos, a da mulher como o princípio do “caos”. Por meio de cada uma destas imagens, meu objetivo foi mostrar como o narrador de Chuva branca, um típico habitante das comunidades rurais da Amazônia, enxergava e pensava a mulher, à medida que, perdido, procurava pelo caminho que o traria de volta para casa.
Esforcei-me por relacionar esta representação feminina à especificidade de Mariana como uma mulher habitante da Terceira Amazônia, um deserto em termos demográficos, um meio inóspito e hostil e uma região onde a miséria é a tônica das condições socioeconômicas predominantes. Utilizei-me da teoria intitulada Hierarquia de Maslov para colocar que, para Mariana, essas condições externas poderiam significar um outro filão de luta no que tange às questões de gênero. Meu argumento central foi o de que, como uma mulher da Terceira Amazônia, Mariana tinha que primeiramente lutar pelo preenchimento de necessidades fisiológicas consideradas básicas, como a alimentação ou a segurança, antes de procurar atender às superiores, respeitantes à sua feminilidade e à sua plena afirmação como ser humano. “As pessoas não são motivadas a satisfazer as suas necessidades superiores até que as inferiores sejam satisfeitas”, diz a Hierarquia de Maslov.
Tratei, finalmente, de mostrar como a dominação masculina, a violência e o silenciamento feminino apareciam no romance. Argumentei que a dominação, em certo sentido, está ligada ao que Marcuse chamou de “eros incontrolado” do homem, pois a história dele é a história da repressão desse instinto. Foi nesse contexto que falei, também, da violência contra a mulher, pois o estupro figura na narrativa por meio das ações dos homens que espreitavam nos caminhos e nas trilhas à espera de uma vítima, e a “botava no chão”, forçando o cometimento do ato sexual. Busquei, por fim, uma frase de Aristóteles, citando Górgias, para argumentar o quanto é comum o homem enaltecer a mulher que se envolve no silêncio, uma das formas de ele negar-lhe o poder da palavra e manter a ordem social da dominação.

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Notas


[i] Termo cunhado por Djalma Batista (2007, p. 114), para referir-se especificamente à “Amazônia rural”, ao lugar onde estão inseridos os chamados “habitantes das vilas, povoados, ‘freguesias’, aldeias, sítios, fazendas, seringais, castanhais, pontos de comércio e ‘colocações’”.
[ii] Por “monólogo interior” entendo o que Proença Filho (2007, p. 52) chama de “técnica inventada pelo escritor francês Edouard Dujardin [...], e que difere do monólogo tradicional, pois reproduz pensamentos íntimos como vão surgindo do inconsciente sem nenhuma preocupação com um encadeamento lógico: deixando fluir livremente as ideias e sentimentos em frases diretas, com a sintaxe reduzida a um mínimo de recursos”.
[iii] Chamo, aqui, de mulher amazônica, assim como o seu correlato (a saber, o homem amazônico), aquela habitante do espaço descrito por Djalma Batista ao conceituar a Terceira Amazônia.
[iv] Segundo Abbagnano (2007, p. 19), “É assim que Locke denominou a argumentação que consiste ‘em citar as opiniões de homens que por talento, doutrina, eminência, poder ou algum outro motivo obteve fama e firmaram reputação na estima comum com alguma espécie de autoridade’ (Ensaio, IV, 17, 19). É o apelo à autoridade”.