A ITÁLIA DE MACHADO DE ASSIS: A PRESENÇA ITALIANA NAS CRÔNICAS DE 1892 E 1893



Ionara Satin
Doutoranda em Letras – Faculdade de Ciências e Letras de Assis/ UNESP
ionarasatin@gmail.com
           

RESUMO: O objetivo desse artigo é revelar a presença da cultura italiana nas crônicas de Machado de Assis entre os anos de 1892 e 1893.  Foi observado que quando o escritor dialoga com a Itália nesses seus textos, esse discurso intertextual está, na maioria das vezes, atrelado às manifestações artísticas desse país, destaca-se então, a visão da Itália como pátria das belas canções e grandes artistas, reflexo de uma admiração do escritor por essa terra. Entretanto, por se tratar de um diálogo estabelecido em um texto como crônica, feito para o jornal, a Itália do cronista machadiano também está vinculada a uma época e a seus leitores. Por esse motivo, a Itália com a qual temos contato por meio dessas crônicas machadianas é também o retrato dessa terra de origem romana que estava presente no Rio de Janeiro do século XIX, com as companhias de teatro, acontecimentos políticos e sociais, entre outros.
PALAVRAS CHAVE: Cultura Italiana; Crônicas; Intertextualidade; Machado de Assis.


RIASSUNTO: Questo articolo vuole rivelare la presenza della cultura italiana nelle cronache di Machado de Assis negli anni 1892 e 1893. È stato osservato che quando lo scritore fa un dialogo con l´Italia nei suoi testi questo discorso intertestuali è, nella maggior parte dei casi, collegato alle manifestazione artistiche di questo posto, si osserva uno sguardo di una Italia delle belle canzoni e grandi artisti, riflesso di una ammirazione dello scrittore brasiliano per il bel paese. Tuttavia, com´è nella cronaca che succede questo dialogo, un testo fatto per circolare nei quotidiani, l´Italia di Machado de Assis sta anche attaccata a un´epoca e ai suoi lettore. Perciò l`Italia che ci vediamo in questi testi è un ritratto di questo posto di origini romana che stava presente nel Rio de Janeiro dell´ottocento, con le compagnie teatrali, eventi politici e sociali. 
PALORE CHIAVE: Cultura Italiana; Cronache, Intertestualità; Machado  de Assis


As obras machadianas são tecidas com fios de variadas culturas e literaturas, dentre elas a marca italiana tem uma tessitura muito particular. Para essa pesquisa, foi escolhido o gênero híbrido da crônica para mostrar qual é a Itália de Machado de Assis: refletir sobre como o escritor fluminense utiliza o elemento italiano na construção do seu discurso, estabelecendo um diálogo intertextual com a cultura da pátria de Dante. Foram selecionadas seis crônicas publicadas pelo escritor entre 1892 a 1893 na coluna “A Semana”, do jornal Gazeta de Noticias. Esse texto mostra o resultado das análises feitas nessas seis crônicas, sugerindo hipóteses para a compreensão do papel que o intertexto italiano desempenha nas crônicas de Machado de Assis.
Eugenio Vinci de Moraes (2007, p.65) afirma que o italiano, no século XIX, parece sempre ter sido relacionado com a língua das óperas e não da literatura. A Itália era considerada um cenário romântico e sensual e não um modelo cultural a ser copiado, como acontecia com a França e a Inglaterra. Mas isso não limita a presença da cultura italiana nos textos machadianos.
Com relação às crônicas, foi possível notar que o diálogo entre a Itália e Machado de Assis está atrelado às manifestações artísticas desse país; o destaque é dado às óperas, companhias líricas, tenores, atrizes e compositores.  Enfim, ligada àquela visão de Itália expressa pelo fascínio em relação a sua história, devido ao seu passado romano, à quantidade de beleza antiga que exala daquele solo e, sobretudo, à atmosfera romântica que circunda essa terra de belas canções e grandes artistas. Em carta a Azeredo, Machado comprova sua admiração por esse país: “A Itália dá-me não sei que reminiscência clássica e romântica, que fazem escrever o pesar de não haver pisado esse solo, tão amassado de história e poesia.” (ASSIS, 1969 p.96).
Mas, não se pode esquecer que, além dessa admiração e reconhecimento pela pátria de Dante, o diálogo com a Itália proporcionado pelo gênero da crônica está relacionado ao próprio tempo e aos acontecimentos ligados à época; ou seja, a crônica é o gênero colado ao tempo, como bem revela a sua própria etimologia – chronos/ crônica, tem uma relação com o tempo vivido e com os acontecimentos do cotidiano, como afirma Margarida de Souza Neves em “Uma escrita do tempo: memória, ordem e progresso nas crônicas cariocas”:

Ela prende-se ao registro ou narração dos fatos e suas circunstancias em sua ordenação cronológica, tal como estes pretensamente ocorreram de fato, na virada do século XIX para o século XX, sem perder seu caráter de narrativa e registro, incorpora uma qualidade moderna: a do lugar reconhecido a subjetividade do narrador. Num e noutro caso, a crônica guarda sempre se sua origem etimológica a relação profunda com o tempo vivido. (NEVES, 1992, p. 82)


Por esta razão, a Itália com a qual temos contato por meio das crônicas machadianas é o retrato dessa terra de origem romana que estava presente no Rio de Janeiro do século XIX, com as companhias de teatro, acontecimentos políticos e sociais, música, literatura, entre outros. É por isso que, para construir o cenário do diálogo entre o escritor fluminense e a pátria de Dante, quando se trata principalmente de crônicas, deve-se levar em conta esses dois aspectos.
Para isso é necessário fazer um levantamento das marcas italianas aludidas nessas seis crônicas. Essas marcas foram distribuídas da seguinte maneira:

CRÔNICA
PRESENÇA ITALIANA
ASSUNTO TRATADO
08.01.1892
Alusão a Correggio

República de Mato Grosso
12.06.1892
2 Alusões: a Fernando II  e a Ernesto Rossi
Sociedades anônimas e mudança de títulos
01.01.1893
Árias de óperas e Cesare Lombroso
Renúncias
16.07.1893
Óperas e compositores

Guerra Federalista
26.03.1893
Óperas /Salvatore Camarano/ Abel Parente
Guerra Federalista
27.08.1893
Divina Comédia

Cólera

            O levantamento mostra que a recorrência ao teatro lírico italiano é muito constante. No ano de 1893, apenas a última crônica analisada não cita esse teatro. Percebe-se que as alusões ocorrem de diferentes maneiras: árias, nomes de compositores, as próprias óperas, as primedonne, os tenores, os libretistas, passagens do canto lírico, enfim, tudo que suporta esse universo teatral.
            A partir das análises das crônicas, acima referidas, foi possível notar que em todas as marcas operísticas presentes nesses textos se deram por meio da recordação do cronista.  Na crônica de 01 de janeiro, as árias de Donizetti, Verdi e Rossini tem a função de recordar os tempos do antigo Teatro Provisório.

Inventou-se esta semana um crime. O nosso século tem estudado criminologia como gente. Os italianos estão entre os que mais trabalham. Um dos meus vizinhos fronteiros, velho advogado, com as reminiscências que lhe ficaram do antigo teatro Provisório (O’ bel’alma innamorata! — Gran Dio, morir si giovane — Eccomi in Babilonia, etc, etc.), vai entrando pelos livros florentinos e napolitanos, como o leitor e eu entramos por um almanaque. Pois assegurou-me esse homem, há poucos minutos, que o crime agora inventado não existe em tratadista algum moderno, seja de Parma ou da Sicília. (ASSIS, 1996 p. 173)

No texto machadiano estas árias aguçam o pensamento do cronista para relembrar os tempos do antigo Teatro. Aparecem todas entre parênteses logo depois que o cronista faz referência às reminiscências que lhe ficaram desse teatro fundado em 1852.
             É importante ressaltar que esse teatro, construído por Vicente Rodrigues, era decorado, no teto, com medalhões que representavam “Bellini, Taglioni, Bibbiena, Verdi, Donizetti, Catalani, Servandoni, Auber, Schiller e Meyerbeer. Isolado entre grandes palmas e louros, estava Rossini, e tudo demonstra o apreço que se dispensava à musica e aos intérpretes italianos”  (CENNI, 1975, p. 351).  É possível que ao se referir a essas árias, o cronista também faça referência à decoração significativa do teatro, uma vez que o tom é de rememoração aos tempos do antigo Teatro Provisório, e essa memória vem por meio da música e de compositores italianos.
A leitura da crônica deixa perceber nas suas entrelinhas que essas árias invadem a memória do escritor assim que ele recorda os tempos do Teatro Provisório. Isso porque o assunto tratado não é este teatro, nem mesmo os compositores italianos: o cronista fecha o parêntese e continua a falar em criminologia.  Por sinal, a referência é a um criminologista italiano, nesse caso também se pode intuir que quando o assunto é Itália a arte lírica ganha forças, como será tratado mais adiante. A presença italiana, nesse caso, se sustenta na recordação do cronista. 
Não gratuitamente a referência é italiana quando se pensa em setor teatral, como visto também em crônica do dia 26 de março.

Entrou o outono. Despontam as esperanças de ouvir Sarah Bernhardt e Falstaff. A arte virá assim, com as suas notas de ouro, cantadas e faladas, trazer à nossa alma aquela paz que alguns homens de boa vontade tentaram restituir à alma rio-grandense, reunindo-se quinta feira na Rua da Quitanda.[...]
Confiemos em Sarah Bernhardt com todos os seus ossos e caprichos, mas com o seu gênio também. Vamos ouvir-lhe a prosa e o verso, a paixão moderna ou antiga. Confiemos no grande Falstaff. Não é poético, decerto, aquele gordo Sir John; afoga-se em amores lúbricos e vinho das Canárias. Mas tanto se tem dito dele, depois que o Verdi o pôs em música, que muito naturalmente é obra-prima.
 O pior será o libreto, que, por via de regra, não há de prestar; mas leve o diabo libretos. Antes do dilúvio, — ou mais especificadamente, pelo tempo do Trovador, dizia-se que o autor do texto dessa ópera era o único libretista capaz. Não sei; nunca o li. O que me ficou é pouco para provar alguma coisa. Quando a cigana cantava: Ai nostri monti ritorneremo, a gente só ouvia o vozeirão da Casaloni, uma mulher que valia, corpo e alma, por uma companhia inteira. Quando Manrico rompia o famoso: Di quella pira l'orrendo fuoco, rasgaram-se as luvas com palmas ao Tamberlick ou ao Mirate. Ninguém queria saber do Camarano, que era o autor dos versos.
 Resignemos ao que algum mau alfaiate houver cortado na capa magnífica de Shakespeare. (ASSIS, 1996 p. 215)


A supremacia da Itália nesse meio não era somente uma opinião exclusiva do cronista, fazia parte de toda uma época. Juntamente com esse “espírito de um tempo”, estava a admiração de Machado de Assis e o reconhecimento por essa Itália: terra que exalava arte. Nessa mesma crônica, embora o cronista anuncie a representação de Falstaff, a ópera então mais recente de Giuseppe Verdi, é a partir dela que relembra os tempos saudosos do Trovador. E em crônica de 16 de julho, o próprio texto se forma em tom de memória, são relatos de sonhos, entre os quais o cronista revive os tempos da sua juventude romântica, lembrados através de Donizetti, Bellini e Rossini.

Na antevéspera tinha sonhado que era um mocinho de quinze a dezesseis anos, prestes a derrubar este mundo e a criar outro; tudo porque me deram a Lúcia de Lamermoor e a Sonâmbula.Quando eu senti no lábio superior mais que um buçozinho, e na alma umas melodias novas e ternas, fiquei fora de mim. Que Mefistófeles era esse que me fizera voltar para trás? Estava aqui um Fausto; faltava achar Margarida. Ei-la que sai de uma igreja; fitei-a bem, era um anjo-cantor de procissão. O tempo do sonho era o de Bellini e das procissões, de Donizetti e das fogueiras na rua, do primeiro Verdi e do Sinhazinha, provincial dos franciscanos. (ASSIS, 1996 p. 266)

Depois das óperas, outro ponto das marcas italianas nesses textos são algumas expressões. Na primeira crônica a expressão “Anch´io son pittore” atribuída a Correggio e na segunda “Siete tutti fatti marchesi” atribuída ao rei Fernando II das Duas Sicilias. Em ambas as expressões têm-se apenas atribuições e não registros. A hipótese é que essas frases poderiam ser uma daquelas que nunca foram escritas, mas perfilam o momento de uma época e algumas até passam de gerações.  Como exemplo, tem-se a famosa frase atribuída à rainha Maria Antonieta “Se eles não tem pão que comam brioches”, que não possui nenhum registro e nem ao menos se sabe se a rainha a pronunciou de fato. Outro exemplo é “Il mondo casca” atribuída ao cardeal Antonelli, presente em outra crônica machadiana.
Nos dias de hoje, as expressões “siete tutti fatti marchesi” ou “Anch´io son pittore” podem soar estranhas aos nossos ouvidos, mas no contexto da época todos poderiam conhecê-las e empregá-las como uma expressão natural. Nesse sentido, pode-se falar em “chão cultural”, ou seja, o contexto cultural da época: os leitores da coluna “A semana” poderiam saber o que o cronista queria dizer quando usou a frase, porque fazia parte daquele universo, do conhecimento geral dos leitores da Gazeta de Notícias.
Ainda a respeito da frase “Siete tutti fatti marchesi” e do contexto cultural, é preciso dizer que o rei Fernando II era irmão da princesa italiana Maria Teresa Cristina casada, mais tarde, com D. Pedro II. Fato esse que estreitou os laços entre Brasil e Itália na época do reinado.
Outra expressão italiana, nesses textos, é “Ecco il problema”  que aparece na crônica  de 12 de junho de 1892:

Ecco il problema e a solução. Está achado o segredo do torvelinho econômico dos últimos anos. As sociedades anônimas, que nos pareciam uma enxurrada, formavam assim um sistema, e as inaugurações não eram tantas, senão porque a cada Companhia Fábrica de Biscoitos correspondesse uma Companhia de Artefatos de Folha de Flandres. Não posso fazer aqui uma lista de exemplos, estou escrevendo a crônica; mas o leitor, que apenas se dá ao trabalho de lê-la, considere se é possível admitir um Banco dos Pobres sem um Banco da Bolsa, a fim de que os acionistas do primeiro vão buscar dinheiro ao segundo. O Banco Construtor tem o seu natural complemento no Banco dos Operários, e vice-versa. A Companhia Farmacêutica é, por assim dizer, a primeira parte da Companhia Manufatora de Caixões, e assim por diante. Daí a conseqüente redução das sociedades anônimas a metade do que parecem à primeira vista. . (ASSIS, 1996, p. 71)


Essa expressão é uma variação italiana da máxima de Shakespeare “That is the question”. Embora essa frase tenha um registro, ao contrário das citadas anteriormente, pode-se dizer que ela fazia parte do “chão cultural” do momento, isso porque o ator italiano Ernesto Rossi estivera no Rio de Janeiro em 1871 com a atuação em Hamlet. Nesse momento estivera também Tommaso Salvini que, assim como Rossi, interpretou a tragédia de Shakespeare, fato que dividiu a opinião crítica em dois partidos.  Enquanto Joaquim Nabuco escrevia que Salvini tinha dado à representação de Hamlet uma beleza desconhecida em nosso teatro, Salvador Mendonça juntamente com Machado de Assis exaltava a atuação de Rossi, como é possível notar em um fragmento da carta do dia 20 de julho de 1871 enviada por Machado de Assis a Salvador Mendonça, um outro documento responsável por este resgate cultural.

Embora! Regozijemo-nos, meu caro Salvador, com as delícias que uma boa fortuna depara aos amantes do belo, trazendo às nossas terras os gênios sumos da arte universal. Da Itália nos veio, há dois anos, a Ristori; da Itália nos veio agora o Rossi. A natureza os fadou para traduzir na sua bela língua, as grandes paixões da arte teatral, para dar movimento e ação às obras máximas que a imortalidade bafejou. Fora triste que nos deserdassem da glória de os ter aplaudido.
Há talvez uma diferença entre eles; se o gênio de ambos é igualmente profundo, o de Rossi me parece mais vasto. Alguns dirão, talvez que, conquanto não haja para nenhum deles fronteiras de escola, a Ristori parecia amar especialmente a arte clássica, ao passo que o Rossi tem particular afeto à arte romântica. Decidam os competentes essas coisas que não são para mim; decide-as tu se vale a pena, escrevendo o artigo de despedida ao nosso hóspede.  (ASSIS, 2009, p.25)


Tem-se, então, um assunto muito discutido na época, uma verdadeira polêmica que alcançou as páginas dos jornais, uma vez que outros intelectuais tomavam a respectiva posição crítica. Deste modo, era um assunto conhecido pelos leitores da época, bem como a expressão shakespeariana.
Ainda a respeito do “chão cultual”, nessas crônicas, Machado de Assis faz alusão a um médico italiano, Abel Parente, e a um criminologista, Cesare Lombroso, dois personagens que ocuparam a opinião critica daquele momento. O primeiro com escândalos nas páginas do jornal Gazeta de Notícias, publicadas a respeito das suas novas ideias para impedir a concepção. Já o segundo, integrante da escola positivista, famoso na época por suas descobertas científicas. Os dois casos não correspondem àquela visão artística italiana, mas se pode compreender a alusão feita pelo cronista dentro do gênero crônica, ligada aos acontecimentos diários. Nesse sentido, a importância não é dada à nacionalidade de Abel Parente ou de Cesare Lombroso, uma vez que poderiam ser franceses ou ingleses, ainda assim seriam mencionados como figuras daquele momento cotidiano. O que vale, então, seria ressaltar que dentro desse gênero híbrido, a Itália também se faz presente por meio da política do momento e de outras discussões que pudessem ser feitas na época. Ou seja, uma Itália atualizada no contexto do Rio de Janeiro do século XIX.
Em meio às óperas, ao pintor italiano Correggio e ao rei Fernando II das Duas Sicilias, o poeta italiano Dante Alighieri também ocupa o espaço que concerne à Itália de Machado de Assis nessas crônicas. O colaborador da Gazeta de Notícias além de fazer uma citação direta da Divina Comédia, insere o canto V do Inferno no decorrer de toda crônica de 27 de agosto 1893:

[...] De noite, li um pouco de Dante, e não fiz bem, porque, no círculo de voluptuosos, aqueles versos

E come i gru van cantando lor lai,
Facendo in aere di sè lunga  riga,[1]

foram a minha perseguição durante o pesadelo, um terrível pesadelo que me acometeu entre uma e duas horas. (ASSIS, 1996 p. 208)


É importante ressaltar que é a única referência à Divina Comédia nesses dois anos. Pode-se dizer que Machado de Assis como leitor de Dante e, tradutor do canto XXV do Inferno, conhecia e lia no original a obra do poeta florentino. Além de conhecer, também a citou muito em suas obras, conclusão essa, proporcionada pela leitura do trabalho de Eugenio Vinci de Moraes, no qual o pesquisador faz um estudo das alusões e citações dantianas na obra de Machado de Assis entre 1870 a 1881, inclusive nas crônicas. Durante os anos de 1892 e 1893, a recorrência a Dante não é muito constante como nos seus romances, por exemplo. Seria necessário um estudo dos anos posteriores a 1893, que compõem toda a publicação na coluna “A Semana”, para se obter uma visão ampla dessa constante dantiana na crônica de Machado de Assis.
 Por meio dessas seis crônicas selecionadas em dois anos de contribuição de Machado de Assis para o periódico Gazeta de Notícias, é possível dizer que a Itália destaca-se como a pátria das belas canções e grandes artistas, reflexo de uma admiração do escritor fluminense por essa terra. O estudioso Franco Cenni para mostrar esse entusiasmo do escritor com o Bel Paese, cita essas palavras de Machado de Assis em seu livro sobre a presença italiana no Brasil: “A Itália é a Darraide antiga. Podemos pedir-lhe e exaurir-lhe os talentos um por um; ela os inventará novos; ao lado de Salvini, Rossi, depois da Ristori, Duse Checchi; feição diversa, arte única”. (CENNI, 1975, p.356).
Nesse sentido, todo esse intertexto italiano é inserido nessas crônicas pela memória saudosista do colaborador semanal. Vale ressaltar que, embora o cronista esteja envolto em boas lembranças, o seu tom não é de sentir o pesar do tempo passado.
Essa memória e reconhecimento pela pátria de Dante apresentam-se nas crônicas mescladas com o espírito do tempo, o próprio tempo do cronista e os acontecimentos ali presentes, comuns a esse gênero híbrido. Fato que também leva a concluir que nessas crônicas, além de uma Itália vista sob a perspectiva do alto com a arte erudita italiana, encontra-se também essa terra de origem romana do dia-a-dia do Rio de Janeiro do século XIX.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS. Machado. A Semana: crônicas (1892- 1893), Machado de Assis. Seleção, introdução e notas de John Gledson. São Paulo: Hucitec, 1996.
_____________. Correspondência de Machado de Assis com Magalhães Azeredo. Edição preparada por Carmelo Virgillo. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.
______________.Correspondência Machado de Assis tomo II, 1870-1889 /coordenação e orientação Sergio Paulo Rouanet ; reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: ABL, 2009. (Coleção Afrânio Peixoto ; v. 92).
ASSUMPÇÃO, Roberto. Correspondência de Machado de Assis. Revista da Sociedade dos Amigos de Machado de Assis, Rio de Janeiro, v. 3, p. 27- 33, 1959.
CENNI, Franco. Italianos no Brasil “ Andiamo in Merica”. São Paulo: Edusp, 1975.
MORAES, Eugênio Vinci de. A Tijuca e o pântano: "A Divina Comédia" na obra de Machado de Assis entre 1870 e 1881. São Paulo, 2007.
NEVES, Margarida de Souza. Uma escrita do tempo: memória, ordem e progresso nas crônicas cariocas. In: CANDIDO, Antonio.  A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas, SP: Editora UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.





[1] “E como os grous vão cantando seus lamentos/ fazendo de si mesmos uma linha comprida no ar...” (tradução nossa)